Miguel Gonçalves Mendes deu a volta ao texto. O objeto do seu filme é O Labirinto da Saudade, o mais emblemático livro de um dos maiores “pensadores” da “portugalidade”. Vulgar seria fazer um documentário em que se dissertasse sobre o pensamento de Eduardo Lourenço, através de citações do próprio livro, entrevistas, conversas com amigos e outros intelectuais. O que fez Gonçalves Mendes foi construir um objeto artístico híbrido, louco, transgressor, experimental e extremamente livre – incatalogável, mas que, ao mesmo tempo, nunca perde da mira o seu objetivo. Uma pertinente e incisiva reflexão sobre Portugal, seus traumas e desejos, à luz de um pensador iluminado.
Em vez de recolher simplesmente depoimentos, transforma os elementos deste filme em atores, incluindo o próprio Eduardo Lourenço que tem de se representar a si próprio. E assim encontramos imagens tão surpreendentes como Lídia Jorge a fazer de telefonista; Álvaro Siza Vieira, de barman, ou José Carlos de Vasconcelos, de frade e amigo. Encontramos dois presidentes da República, António Ramalho Eanes e Jorge Sampaio, sentados à volta de um tabuleiro de xadrez com o formato do País. E eles dizem-nos que aquele jogo se joga sozinho.
O filme estrutura-se, por um lado, através da ideia de “trauma”, expressa no ensaio de Lourenço, fazendo-se uma viagem cronológica pela História de Portugal, com a ajuda da animação Fado Lusitano, de Abi Feijó. Por outro lado, há uma ideia de entrar literalmente no pensamento, na cabeça de Eduardo Lourenço, a qual se revela um autêntico labirinto, com muitos caminhos e poucas saídas. Finalmente está implícita a ideia de homenagem. Uma homenagem merecida a um dos maiores filósofos da portugalidade, que acaba de cumprir 95 anos.
Veja o trailer
O Labirinto da Saudade > de Miguel Gonçalves Mendes, com Eduardo Lourenço, José Carlos de Vasconcelos, Lídia Jorge, Pilar del Río, Siza Vieira, Ricardo Araújo Pereira, Adriana Calcanhotto, Gonçalo M. Tavares > 71 minutos