Os filmes sobre fábricas estão fora de moda, como se tratassem de uma realidade distante, contudo, a roupa que usamos, assim como o calçado, os telemóveis, os carros, os eletrodomésticos continuam a ser feitos em algum sítio. Pedro Pinho tratou a crise que abalou o País recentemente no cenário mais óbvio e menos explorado: numa fábrica em processo de insolvência. O realizador e a sua equipa deslocaram-se à zona da Póvoa de Santa Iria para recolher histórias dramáticas de uma zona industrial fortemente afetada pelo agravamento da crise, que provocou o encerramento de muitas fábricas, deixando famílias inteiras no desemprego. Essas histórias serviram de matéria–prima para trabalhar o argumento e a construção de um filme onde se misturam vários planos e dinâmicas, A Fábrica de Nada.
Em primeiro lugar, há um modo de trabalho interventivo, exploratório, que se mexe no terreno e se alimenta dele, contando mesmo com o recrutamento de alguns operários para o elenco, em que estes improváveis atores fazem quase de si próprios. E, ao mesmo tempo, vão ajudando a construir a história. Que não é uma história passiva, de vítimas atordoadas e mudas, mas antes uma história ativista, reivindicativa, de operários fabris que lutam pelo direito ao trabalho, ao ponto de estarem dispostos a abraçar uma experiência de autogestão.
Aos poucos, Pedro Pinho vai acrescentando camadas, tornando o filme fascinante e experimental. Por um lado, ao plano da vida privada do jovem operário, em decadência, mas serena, que contrasta com o momento agitado da própria fábrica. Por outro, introduz-se uma componente ensaística, ao entrarem algumas personagens de cariz intelectual, que debatem filosoficamente os acontecimentos, provocando uma fricção entre realidade e teoria. Assim, o filme é sobre o que acontece mas também uma reflexão sobre aquilo que está a acontecer. Este desdobramento de planos, confluência entre o real e o fantástico, abre espaço para uma cena hilariante, o momento mais brilhante do filme, que pode ser definido como um musical tosco e neorrealista.
A Fábrica de Nada, que surpreendeu em Cannes, recebendo o prémio da crítica, é um objeto híbrido e fascinante, que coloca mais perguntas do que dá respostas e serve de reflexão sobre modelos sociais e estruturas de trabalho.
A Fábrica de Nada > De Pedro Pinho, com José Smith Vargas, Carla Galvão, Njamy Sebastião, Joaquim Bichana Martins, Daniele Incalcaterra > 177 min