Despido de artifícios, o palco veste-se, apenas, com duas cadeiras. Não há vídeos, fotografias ou quaisquer outros suportes que ajudem a avivar recordações. Somente o relato das histórias poderá permanecer na memória dos espectadores, mas o mais provável é que tudo se desvaneça no final da representação. O público esquece. O ator esquece. Este processo de esquecimento parte da história real da atriz francesa Annie Girardot (1931-2011). Nos seus últimos anos de vida, além de ter caído no esquecimento do público, a atriz esqueceu-se dela própria, devido à doença de Alzheimer.
Elmano Sancho e Juanita Barrera, cocriadores do espetáculo Não Quero Morrer, em cena no Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa, e na próxima semana no Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra, colocam uma hipótese tão irrealista quanto enternecedora: será que o final da vida de Girardot teria sido diferente se Nadia, a sua personagem em Rocco e os Seus Irmãos (1960), de Luchino Visconti, não tivesse morrido em cena? O assassino fora Simone, interpretado por Renato Salvatori, seu futuro marido. Será que se a cena não chegar ao fim, e conseguirem impedir a morte de Nadia, poderão mudar a biografia de Girardot e resgatá-la do esquecimento?
“É a beleza de acreditarmos que um determinado filme ou personagem pode marcar a nossa vida. As personagens são sempre um bocado de nós, atores, e acabamos por nos diluir nessas identidades”, contextualiza Elmano Sancho. “Mais facilmente as pessoas esquecem Annie Girardot do que Nadia”. O ator e encenador dá corpo e voz a fragmentos de histórias por ele ouvidas na Casa do Artista, em Lisboa, e também a relatos que a bailarina colombiana recolheu em Bogotá.
“O envelhecimento é uma judiação”, diz-se. Só os atores que morrem jovens (Marilyn Monroe aos 36 anos, James Dean aos 24, por exemplo) parecem resistir ao esquecimento, cristalizados na eterna juventude. As histórias contaminam-se, é difícil distingui-las, camuflam-se no anonimato. “Ao retirarmos os nomes, estamos a dizer que todos estão votados ao esquecimento. Não vamos servir-lhes de nada porque o teatro é o espaço mais efémero para se guardar recordações.” A memória é, afinal, a outra face da imortalidade.
Não Quero Morrer > Teatro Municipal São Luiz > R. António Maria Cardoso 38, Lisboa > T. 21 325 7640 > 25-29 jan, qua-sáb 21h, dom 17h30 > €5 a €12 > Teatro Académico Gil Vicente > Pç. da República, Coimbra > T. 239 855 636 > 31 jan, ter 21h30 > €7