Não sabemos se Samuel Benchetrit acredita em milagres, mas talvez creia que pequenas improbabilidades de relações quotidianas, com o Outro mais distante, possam tornar o mundo melhor. Histórias de Bairro, inexplicável tradução do francês Asphalte (Asfalto), intercala três histórias de relacionamentos implausíveis que, de forma quase mágica, enchem de esperança a vida de habitantes de um bairro periférico de uma cidade francesa. Chega ao extremo surrealista de incluir um astronauta da NASA, que, acidentalmente, por um erro de cálculo, aterra no terraço daquele prédio, para espanto de dois adolescentes. Mas, enfim, era tudo o que a senhora Hamida precisava para ter um dia mais feliz… Não há nada como um astronauta para trazer um pouco de poeira cósmica e alegria para o nosso quotidiano. Isso ou pozinhos de perlimpimpim.
John McKenzie, o astronauta que só fala inglês, transforma-se num sucedâneo do filho da Senhora Hamida, que está preso e distante do ideal que a franco-tunisina traçou para ele. Involuntariamente, John colmata por momentos a sua carência afetiva. Em troca, recebe os mais deliciosos cuscuz.
Também improvável é a relação entre Jeanne Meyer, uma atriz em processo de franca decadência (Isabelle Huppert é a atriz que mais vezes desempenha o papel de atriz), e Charly, o seu vizinho, um rapaz algo deslumbrado, decidido a regenerá-la. Charly, como se fosse um astronauta, devolve-lhe o prazer da atuação e também sobriedade para encarar o mundo. Finalmente, na terceira história intercalada, Sterkowitz, deficiente motor, pobre, que rouba comida das máquinas do hospital, apaixona-se por uma enfermeira do turno noturno. E aí percebemos o poder miraculoso do amor.
De forma algo ingénua e fabulística, Benchetrit parte de contos da sua autoria, para fazer um filme que chega a lembrar Paul Thomas Anderson (Magnolia) ou Leo Carax (Holy Motors). O filme vale pela irreverência de não temer a inclusão de elementos irrealistas, contrariando parte significativa do atual cinema francês, engajando, contudo, esses elementos na realidade suburbana, como fonte de fissura, de choque, de abanão social. Só que, ao contrário da prática corrente em filmes do género, é um abanão positivista, que transporta as personagens para um estado melhor. Nesse sentido é um filme otimista, uma lufada de esperança. Numa altura em que a Europa, e particularmente a França, se deixa tomar pelo medo (medo do Outro), Histórias de Bairro funciona como um ousado manifesto na crença que apenas o Outro, o mais distante, nos pode salvar. Só temos de encontrar o nosso astronauta.
Histórias de Bairro > de Samuel Benchetrit, com Isabelle Huppert, Gustave Kervern, Valeria Bruni Tedeschi, Michael Pitt e Jules Benchetrit > 100 min