“Se não soubermos ensinar os brancos será o nosso fim”, explica um dos índios ao outro. Mas há muito que o homem branco perdera a capacidade de ouvir e de aprender. E este grito de alerta não servia apenas para os povos indígenas, alguns deles entretanto extintos, mas para a Humanidade em geral. O homem branco, o europeu “civilizado”, tem a estranha tendência para se destruir a si próprio. Algo que o índio jamais compreenderá. Sabe apenas que, mais cedo ou mais tarde, a natureza vingar-se-á.
Nomeado para o Oscar do Melhor Filme Estrangeiro e para cinco prémios Fénix (os Oscars do cinema ibero-americano), O Abraço da Serpente é um magnífico hino à natureza, um resgate de civilizações extintas. Ciro Guerra, o realizador, baseou-se nos diários do etnólogo alemão Theodor Koch-Grunberg e do botânico americano Richard Evens Schultes. São as únicas fontes para chegarmos à identidade e ao pensamento destes povos, erroneamente tidos como inferiores. Os indígenas não se limitavam a viver na natureza, eles eram a natureza, faziam parte da selva e do seu ecossistema, assim como as árvores, o rio e os outros animais.
O filme dá-nos toda essa dimensão poética, num retrato exuberante e profundo, esteticamente impactante, mas sem o esteticismo exacerbado de Iñárritu ou de Terrence Mallick. Opta por fotografia a preto e branco, o que pode parecer uma escolha estranha, atendendo aos esplendor cromático da floresta amazónica, mas acaba por lhe dar uma justa sobriedade e localização temporal.
Habilmente, O Abraço da Serpente cose duas histórias como se fossem apenas uma. Até porque as corrompe e unifica traçando um objetivo comum: uma flor rara e milagrosa, sagrada, que funciona como um Santo Graal. Efetivamente Santo porque, para Teodor, é a cura para a sua doença. E, para Richard, a última esperança para a capacidade de sonhar. Rodado na Colômbia e na Argentina, O Abraço da Serpente é um dos mais comoventes retratos das civilizações amazónicas pré-colombianas, um recuo ao momento em que o homem se perdeu.
O Abraço da Serpente > de Ciro Guerra, com Nilbio Torres, Jan Bijvoet, Antonio Bolivar > 125 min