Perante uma obra de Álvaro Lapa (1939-2006) podem acontecer desconcertos, desequilíbrios, tonturas. A pintura do artista (e escritor) revela-se indisciplinada: manchas de cor aleatórias, pouco respeitinho pelas veneradas simetrias, ritmos misteriosos que fazem o observador perder o pé. Parece coisa imperfeita, forma distorcida. O quê, o que está aqui?, pergunta-se por vezes. O sentido, há que descobri-lo. Também por isso, sublinha João Pinharanda, é que Lapa é classificado como “um dos mais singulares artistas do panorama nacional”, “artista de culto”. Reconhecido, recorde-se: foi vencedor do Prémio EDP 2004.
O comissário de Álvaro Lapa. Alguns Desenhos e Pinturas, arrumou trabalhos inéditos com peças há algum tempo não expostas (algumas destas, viram-se no Museu da Cidade, em Lisboa, no longínquo ano de 2007), e sublinha a componente literária da criação deste artista, que, unindo pontos cardeais na sua biblioteca, por assim dizer, convoca nomes díspares. Na exposição, Lapa explorou três figuras: Marquês de Sade, oficiante libertário do prazer e da subversão das regras; Sigmund Freud, dito pai da psicanálise, defensor do sexo como núcleo explicativo das frustrações e aspirações humanas; e Milarepa, monge tibetano que ascendeu ao patamar superior da iluminação no budismo. Sexo, solidão, superação, fim, narrativa, interrogações. À vista, há brancuras habitadas por linhas de vida e datas, dedicatórias e nomes avulsos, cruzes, linhas tortas, desenhos de sexos abertos, contrastes entre luz e escuro, entre vida e morte. E há recortes e colagens e “cadernos”, da série pictórica em que Lapa pensou em autores: para Freud, por exemplo, o artista criou um estranho labirinto com tensões evidentes. Também houve “cadernos” para Kafka, Rimbaud, Michaux ou Henry Miller… Uma mostra para exercitar vários níveis de leitura.
Fundação EDP > Av. de Brasília > Central Tejo > T. 210 028 190/30 > 18 dez-21 fev, ter-dom 10h-18h