“Sem Limites”, produção espanhola sobre a primeira viagem de circum-navegação, é uma série ambiciosa, que quis estar à altura da epopeia à volta do mundo liderada por Fernão de Magalhães, com muita aventura, traições e batalhas servidas por uma equipa de luxo. Ao lado de Rodrigo Santoro e Álvaro Morte, que interpretam, respetivamente, o navegador português e o espanhol João Sebastião Elcano, está o ator Gonçalo Diniz, no papel de Duarte Barbosa. A estreia é nesta sexta, dia 24, na Prime Video.
Como é que chegou a esta produção?
Foi talvez o processo mais demorado e mais difícil por que passei. Foram cinco meses de testes, sem ter uma resposta. Aguardei e até pensei que não ia acontecer. Acabou por ser o Rodrigo Santoro [protagonista da série] a dar-me a notícia. Trabalho muito em Portugal, onde já sabem quem sou. Em Espanha, não, concorri com os melhores atores espanhóis, também houve dois italianos no casting. Fiquei muito feliz por ser escolhido. Tenho 30 anos de carreira e sempre almejei fazer estas grandes produções.
É o único ator português a participar em Sem Limites?
Sou o único com um papel relevante. Pode-se dizer que sou a terceira personagem mais incidente na série. Foi um processo doloroso. Assim que soube que tinha sido escolhido, fui para Madrid, trabalhar com o Juan Carlos Corazza [diretor de atores argentino]. Emigrei para Espanha para me preparar, durante seis meses.
Sendo também uma série de ação, houve a necessidade de se preparar fisicamente?
Houve, mas o meu corpo estava preparado para a guerra. Aquilo exige muito, são 12 horas de rodagem, com espadas, o físico tem de estar no seu melhor para responder às ações que temos de fazer repetidamente.
Fale-me da sua personagem, Duarte Barbosa. Conseguiu aprofundar quem foi esta figura histórica?
Estudei muito, tudo o que havia. A sua personagem é tão ou até mais dolorosa do que a de Fernão de Magalhães. Teve os mesmos problemas do que ele quando regressou a Portugal, após ter trabalhado 12 anos como intérprete nas Índias. O rei D. Manuel I desprezou-o e não lhe deu o cargo de escrivão-mor que tinha reclamado. Teve essa dor e revolta, porque Portugal não tratava com seriedade estas pessoas que davam tudo pelo País. Quando voltou, quis fazer valer esta expedição, que não foi aceite pelo rei português. É o cão de guarda do Fernão de Magalhães, o seu braço direito, com o qual tem uma relação familiar (são cunhados). Funcionam como pedra e cal, no mar cada um domina o seu patamar, e o Duarte Barbosa é o pombo correio das mensagens de Magalhães para os pilotos, nomeadamente para Elcano, e para toda a tripulação.
Magalhães tinha uma relação difícil com a tripulação…
O que fiz, durante a série, foi aproximar-me da tripulação, como se fosse mais um deles, ouvindo todas as queixas sobre o comandante. É uma personagem um pouco dúbia, mas extremamente leal a Fernão de Magalhães. Quando este morre e Duarte Barbosa vai buscar o seu corpo, esse é o ponto de nobreza máximo. Havia que lhe dar uma sepultura cristã, era algo que superava o ouro, as especiarias, a fome, o frio… a honra era o mais importante. Foi o que mais me fascinou nesta personagem. Não chegou a conseguir resgatar o corpo, é traído por um escravo e é morto. A história é cheia de traições, de magias ocultas, de outras culturas que foram descobrindo. É tudo muito rápido, porque são apenas seis episódios. Mas o Simon West, o realizador, é um dos melhores editores desta área da ação.
Apesar da necessidade de condensar os factos, houve na série uma preocupação pelo rigor histórico?
Sim. Entenda-se que é uma ficção, só funciona se houver um conteúdo emocional e tudo tem de ser credível. Temos um grande relato histórico, de António Pigafetta [que acompanhou e fez o registo da expedição], no qual nos apoiamos, que fez a viagem do início ao fim. Conta-nos o que ia na alma deles. Falamos dos meandros, dos sentimentos, daquilo porque passam – o escorbuto, a fome, o frio, o calor, os três meses sem vento –, e do lado visionário de Magalhães, que persiste quando todos queriam desistir. Há uma frase que diz: “se os navegadores tivessem ouvido a sua tripulação, não tinham passado dos Açores ou da Madeira”.
A produção não se fica pelo heroísmo das personagens e acaba por passar o seu lado mais humano?
Na série, Magalhães não se trata de um herói. O Rodrigo Santoro, inteligentemente, fugiu do herói. Vê-se o olhar de quem vai descobrir, de quem tem dúvidas. Esses sentimentos estão bem marcados. Sendo uma produção espanhola, para quem o herói é (Juan Sebastián) Elcano, puxaram pela sua personagem. Não mudaram a História…
De alguma forma, fizeram justiça a Elcano?
Sim. Mas Elcano era apenas um piloto. Nesta história, é um herói e ainda bem, temos o Álvaro Morte a fazer a personagem e isso é válido, foram os espanhóis que patrocinaram isto. Mas atenção, nada disto teria acontecido se Fernão de Magalhães não tivesse tido a ideia, se não tivesse os mapas e um grande conhecimento, baseado em anos de estudos. Foi uma expedição dolorosa, porque não vai em paz, vai com a tripulação a remar contra. É lindo ver como é que um homem consegue controlar e manipular aquelas pessoas a não desistirem. São feitos heroicos.
A produção esteve à altura da epopeia?
É uma grande produção, a maior angariada na Península Ibérica, com uma equipa técnica muito boa. O produtor, Miguel Menéndez de Zubillaga, conseguiu unir o essencial: equipa técnica, atores. Isso resultou numa série épica. A luz, o som, está tudo fantástico. Tem batalhas, tem traições… não há momentos maçadores. Foi uma produção complicada, gravada durante a pandemia [entre maio e agosto de 2021], com muitos atores a caírem com a Covid-19. Tivemos de vir mais cedo da República Dominicana e mudar o local das gravações.
A escolha de Simon West para a realização demonstra a vontade de a produção ter um lado de entretenimento bem vincado?
Sim, isso viu-se desde a primeira cena. O Simon West conta com a disponibilidade imediata dos atores, ninguém sabia quem ia filmar, tínhamos de estar todos prontos. Gostei muito de trabalhar com ele. Dá uma liberdade enorme aos atores, o que até assusta. Adaptei-me na perfeição.
A experiência esteve à altura das suas expectativas?
Completamente! A série está fantástica e é uma lição de História. Conta-nos muitas coisas que desconhecíamos. Fiz uma pesquisa na rua e perguntei às pessoas se sabiam quem era Fernão de Magalhães. Cerca de 80% tem uma ideia… “foi um navegador, não é?”. Não sei até que ponto a sua história não foi ocultada por ter conseguido aquele feito patrocinado pelos espanhóis. Os portugueses têm a obrigação de resgatar este herói e dar-lhe o devido valor.
Sem Limites > Amazon Prime Video > Estreia 24 jun, sex > 6 episódios