Nestas últimas semanas, desde que reabriu a 16 de dezembro, já houve de tudo. Os clientes habituais que regressaram para ver se estava tudo igual, os vizinhos que tocaram à porta, os curiosos por conhecer o bar histórico de Lisboa. “Fazer uma recuperação e corresponder às expectativas das pessoas é o mais difícil”, diz Miguel Garcia, que comprou o Snob.
Entrando, tudo é familiar, embora esteja visivelmente renovado. A madeira que cobre as paredes foi tratada, a alcatifa no chão é de um vermelho-vivo. Sobre as mesas já não há panos verdes de jogo, mas os candeeiros de latão são os mesmos, assim como os sofás, agora forrados de couro verde-garrafa. Os puristas talvez digam que está mais iluminado, não tanto à meia-luz. Uma coisa é certa: já não será o senhor Albino Oliveira, o anterior dono, a trazer-nos aquele bife-fora-de-horas com molho de natas e batatas fritas aos palitos grossos. Aos 77 anos, sentiu que deixava a casa em boas mãos e entregou a chave em setembro passado.
O bar Snob, hoje com a classificação de Loja com História, abriu em 1964, numa altura em que o Bairro Alto era a capital dos jornais. O Século tinha as suas instalações uns metros à frente, num palacete, e, por esse motivo, o bar aberto por Paulo Guilherme d’Eça Leal, redator daquele diário, rapidamente se tornou muito frequentado por jornalistas, e ficaria conhecido durante décadas (também) por isso.
Paulo Guilherme (que inaugurou ainda o Snobíssimo, em Cascais) era um homem dado às artes – foi cenógrafo, ilustrador, pintor e realizador, além de escritor – e aproveitou as prateleiras originais da velha loja de latoaria para, colocando-lhes portas de vidro e madeira, criar elegantes armários que se mantêm, na primeira sala, iguais ao que eram há 60 anos, hoje guardando garrafas e livros.
Dois meses de obras depois, o Snob está aí para “continuar a ser o que sempre foi”. “Este é um lugar histórico de Lisboa, o que me preocupa é manter; não pretendo reinventar a roda, só mudámos o pneu”, explica Miguel Garcia. O mesmo já tinha feito em 2022, quando comprou o Café de São Bento, em frente à Assembleia da República. Na altura, também fechou o restaurante por breves meses para que pudessem fazer-se obras de renovação. “Estamos inundados de novidades, deixámos de ir aonde íamos habitualmente”, considera. “Estes sítios são para os resistentes às novidades constantes, frenéticas, que gostam de rotinas e de criar laços com os lugares. Essa é a mais-valia do Snob.”
Uma carta enxuta
Da pequena cozinha envidraçada, instalada na segunda sala, sai tudo aquilo que o senhor Albino disse que “tinha de ficar”: o bife à Snob (lombo €20, vazia €17), os croquetes (€4,50/duas unidades, com mostarda Savora), o bacalhau à Brás (€15) e a mousse de manga (€5). Acrescentaram, por exemplo, os pregos (lombo €10, vazia €9), as gambas al ajillo (€13), o bitoque à portuguesa (€15), uma tarte de lima e o toucinho do céu (ambos €5). Os preços, garante Miguel Garcia, são os mesmos. “Alguns aumentaram 50 cêntimos”, precisa. “Tive tanto cuidado com isso que até temos aqui os menus antigos”, diz, apontando para o outro lado do balcão.
Já na carta de bebidas, as diferenças são evidentes: agora há cocktails, mas apenas os clássicos, e aposta-se nos destilados – a história de cada bebida e de cada marca é contada no menu, para que este não seja “só uma lista com nomes e preços”, mas quase um livro no qual se pode ler de onde vem o Clover Club ou a diferença entre whisky e whiskey.
O Snob abre agora todos os dias da semana. Basta descer uns 30 metros da Rua de O Século, pelo passeio do lado esquerdo, e tocar à porta encimada por um toldo verde, como sempre se fez.
Snob > R. de O Século, 178, Lisboa > T. 92 645 9164 > seg-dom 19h-2h (cozinha fecha à 1h)