Não stressem com o tempo. O que fizerem não vai ficar mal feito”, incentiva o ceramista autodidata Nuno Santos, proprietário com Ema Ribeiro da Ó! Cerâmica, no Porto, no início da oficina que acompanhámos num sábado de janeiro. À volta da mesa desta loja-estúdio aberta vai para dois anos no Quarteirão de Bombarda, de avental posto, sentam-se maioritariamente mulheres de várias profissões. A exceção era João Miranda, engenheiro informático com 24 anos que veio com a namorada, a enfermeira Vera Pereira. “Passo muito tempo à frente do ecrã e achámos que seria bom experimentar esta atividade”, conta, enquanto se estreia a moldar o barro com as mãos borrifadas de água.
Desta espécie de “terapia” tem dado conta Nuno Santos desde que a Ó! Cerâmica organiza estes workshops de iniciação aos sábados, com o sugestivo nome de Rapidinhas (porque concentram em três horas uma boa parte do processo de criação e de pintura de jarras, canecas, taças ou pratos), e que se esgotam num ápice. “Há um denominador comum entre os alunos: a maior parte passa mais de oito horas por dia no computador e aqui tem uma experiência diferente, muito tátil e sensorial. Como estão com as mãos sujas durante as aulas, nem pegam no telemóvel”, sublinha.
A maioria nunca trabalhou com barro, à exceção dos que já tinham participado na Rapidinha de Canecas, como a médica pneumologista Rita Linhas: “Isto é meditativo e relaxante”, diz, enquanto pinta a jarra de verde já no fim da aula. Só daqui a um mês poderá vir buscá-la, depois de seca e cozida: “É quase como revelar um rolo fotográfico. Ficamos semanas na expectativa.” João e Vera saem igualmente satisfeitos com o resultado e já têm um lugar lá em casa para as duas jarras que fizeram.
Em Lisboa, “com as aulas a terem cada vez mais procura”, Cécile Mestelan decidiu alargar o seu atelier. Há um ano, abriu o Studio, um projeto em parceria com Laure de Laparterie, exclusivamente dedicado à formação, na Rua dos Poiais de São Bento, mesmo ao lado da loja onde tem à venda canecas, pratos e jarras, entre outras peças únicas, coloridas e com alguma geometria à mistura. Autodidata com formação em Belas-Artes, Cécile trocou França por Portugal, em 2013, ainda a escultura em gesso lhe ocupava o tempo. Só mais tarde, numa residência artística na Vista Alegre, teria contacto com a cerâmica. Foi aí que se apaixonou e começou o seu percurso. “Recorri a um crowdfunding para comprar um forno e abri um cowork. Dei logo conta de que havia muita procura.” O Olho Cerâmica, nome do projeto na altura, funcionou em Campo de Ourique, depois na Estrela, já Cécile dava formação.
Em 2020, instalou-se na Rua dos Poiais de São Bento, onde está o Studio – amplo e luminoso, equipado com mesas de trabalho, rodas de oleiro, mufla e todo o material essencial para pôr mãos à obra. Além de aulas de construção manual ou de roda de oleiro, em grupo ou individuais, organizam festas de aniversário de crianças, em que estas constroem uma caneca e pintam-na, despedidas de solteira ou reuniões de família, sempre com uma atividade ligada à cerâmica. Também há residentes, cerca de 30 pessoas que se dividem entre horários. “Hoje em dia, são pessoas mais jovens que procuram a cerâmica e fazem-no não apenas como um hobby, mas quase como um processo meditativo para sair do computador. Querem sentir que estão a produzir, criar uma coisa que se vê no imediato”, diz a ceramista francesa. Dedicada às peças utilitárias, Cécile anda por estes dias empenhada em criar, em paralelo, peças mais escultóricas, que há de mostrar numa exposição perto do verão.
Com toda a calma
A paixão pelos gatos, e em particular os seus Frederico e Óscar, inspirou os primeiros animais feitos em cerâmica por Ana Seixas. E o que começou por ser um passatempo da ilustradora acabou por se tornar um negócio – já exporta peças para França, Alemanha e Bélgica. Na loja que abriu há dois anos no Porto, para vender os seus postais, risografias e ilustrações, rapidamente esta área foi ganhando espaço. “Comecei a levar a minha ilustração para a cerâmica a nível de linguagem e de cor”, conta-nos na cave da loja onde montou a oficina com dois fornos, enquanto pinta andorinhas coloridas.
Depois dos gatos, vieram os candeeiros com nariz, olhos, boca e orelhas (os mais vendidos), as jarras e os pratos. Em todas as peças, Ana cria “personagens divertidas, quase como se fossem companheiros de casa”. Na cerâmica, agrada-lhe essa tridimensionalidade: “O maior desafio é tentar simplificar, estou a criar peças decorativas.” Por outro lado, esta atividade permite-lhe “um ritmo mais lento porque a maneira de trabalhar é mais pausada [do que na ilustração]”. É que entre moldar, secar, cozer, vidrar e pintar, passam-se dias e semanas até que a peça fique pronta. “Gosto de estar afastada do computador e este trabalho permite muita introspeção”, confessa.
Cátia Fernandes é a responsável pela Ceramista Shop, com duas lojas, onde se encontra tudo o que é material – das ferramentas aos vidrados, das argilas aos tornilhos – e, muito importante, aconselhamento. “Temos uma grande diversidade de produtos e marcas, o que, no conjunto, é difícil de encontrar. Somos procurados tanto por artistas e profissionais como por amadores.” Com um percurso feito na área dos Recursos Humanos, Cátia começou a pintar azulejos e depois fez formação no Ar.Co.
Em setembro de 2020, abriu a loja de Oeiras e, em maio do ano seguinte, a do Porto. “Gostamos de partilhar o gosto por esta arte e de juntar pessoas”, e as lojas espelham essa ideia. Em Oeiras, por exemplo, há uma zona lounge com cadeiras e mesa para aproveitar os livros disponíveis para leitura. “São todos dedicados ao tema, mas há pouca coisa editada em Portugal, sendo esta uma atividade tão importante no País”, faz notar. As quatro muflas estão disponíveis para cozer qualquer peça, frequente-se ou não o atelier a funcionar duas portas ao lado da loja e onde há aulas e workshops orientados por artistas, e lugar para residentes. Em outubro, a Oeiras virá a ceramista inglesa Linda Bloomfield – as inscrições abrem em fevereiro, é tomar nota para não deixar esgotar as vagas.
Inspiração bordaliana
Precursor da caricatura e da sátira (sobretudo política), Rafael Bordalo Pinheiro teve uma criatividade inesgotável que se estendeu para lá de jornais e capas de livros, tendo criado um extraordinário universo cerâmico povoado por figuras populares, terrinas em forma de couve, vasos que desafiavam as tecnologias conhecidas, sapos, gatos arrepiados, andorinhas esvoaçantes… Material mais do que suficiente que serve de inspiração para as atividades que o museu que leva o nome do artista organiza vai para sete anos, através do seu serviço educativo. “Até era crime não o fazer”, desabafa o diretor, João Alpuim. Aqui não há pretensões artísticas, garante, estejamos a falar nas oficinas de cerâmica para famílias, que acontecem aos domingos de manhã, ou no Clube de Cerâmica, dirigido a adultos e jovens a partir dos 16 anos, às quintas ao final do dia. O objetivo, diz Alpuim, é trazer pessoas e dar-lhes a conhecer a vasta e muito lúdica obra de Bordalo Pinheiro. “Temos por lema ser o museu mais divertido de Lisboa. Se a pessoa sair daqui bem-disposta, cumprimos o nosso objetivo.”
Autoconfiança e autoconceito são palavras que Mónica Gouveia vai conjugando com o barro. Mais do que o resultado final – seja uma caneca, um prato, uma taça e tudo o mais que a imaginação ditar –, interessa-lhe sobretudo o processo de criar uma peça e o que isso implica. “Ajuda muito a eles perceberem que têm capacidade de resolver problemas e que conseguem criar um objeto.” “Eles” são todos aqueles que recebe no Pezzi di mó, o seu atelier em Campo de Ourique, em aulas regulares ou nos workshops ao sábado de manhã. Crianças e adultos que procuram uma atividade extracurricular ou pós-laboral, reformados, mães que estão em casa, pais e filhos. “São sobretudo as mães que vêm com os filhos”, nota. “Mas quando os pais alinham, ficam surpreendidos porque saem coisas giras. Cria-se uma dinâmica diferente do habitual”, conta Mónica.
Há sete anos, quando abriu o Pezzi di mó, este era o único atelier de cerâmica no bairro. Hoje, “há vários e, em Lisboa, é um boom”, afirma. “Há imensa procura de atividades manuais, de fazeres antigos com uma perspetiva contemporânea”, observa. “E dentro destes, por uma questão cultural, a cerâmica tem muita força.” O comentário que mais ouve, conta, sobretudo dos adultos, é que a cerâmica é muito relaxante. “Ajuda-nos a não pensar no dia a dia.” Quem não ficou com vontade de experimentar?
ONDE APRENDER
Museu Bordalo Pinheiro, Lisboa
Campo Grande, 382, Lisboa > T. 21 581 8540 > Oficina de cerâmica para famílias > 22 jan-12 mar, dom 10h-13h > €12 (1 adulto + 1 criança até aos 5 anos) > Clube de Cerâmica (adultos e jovens a partir dos 16 anos) > 2 fev-6 abr, qui 18h30-20h30 > €10/sessão, €90/10 sessões > museubordalopinheiro.pt
Pezzi di mó, Lisboa
R. da Arrábida, 77, Lisboa > T. 93 319 9936 > aulas: 5-16 anos €80/mês (1 vez por semana), adultos €30/aula, pack 5 aulas €120 > workshops €20/criança, €30/adultos (sábado)
Cécile Mestelan, Lisboa
R. Poiais de São Bento, 74, 75, 78, Lisboa > T. 91 363 6334 > seg-sex 10h-19h, sáb 11h-18h (loja) > Studio: seg-sáb 10h-18h (domingo por marcação) > aulas a partir de €95, pack 4 sessões a partir de €120
Ceramista Shop, Lisboa e Porto
Av. Embaixador Assis Chateaubriand, 49B, Oeiras > T. 21 443 1505 > R. da Alegria, 322, Porto > T. 22 099 5546 > seg–sex 10h-13h, 15h-18h, sáb 10h-13h > workshops a partir de €30
Ó! Cerâmica, Porto
R. de Adolfo Casais Monteiro, 61, Porto > ter-sáb 14h-19h (loja) > aulas: sáb 10h-13h, 15h-18h (3 horas) €35
Ana Seixas, Porto
R. Oliveira Monteiro, 483, Porto > shop@anaseixas.com > seg-sex 12h-18h30, sáb 10h30-13h (loja) > aulas Chá e bolinhos: 11 fev 10h-13h30; Prato do dia: 25 fev, 15h-18h30 > €50 (3 horas, maiores de 15 anos)