A existência é mais divertida a dois. Roubo hoje esta frase a Thomas Mann, mas trago uma desculpa na ponta dos dedos: voltei a subir ao miradouro do Jardim da Estrela e não levei os óculos escuros para proteger o coração.
A entrada da Rua de S. Bernardo é a mais próxima da pequena montanha rodeada de árvores que se ergue no topo de um relevo feito de terra e blocos de pedra. Mesmo ao lado fica agora o parque infantil que tantos anos nos entreteve do lado da basílica; fôssemos nós miúdas outra vez e a nossa mãe teria dificuldade em proibir-nos aventuras rumo ao miradouro.
A atração era natural. Lá de cima tínhamos uma bela vista do jardim e da cidade que o rodeia, uma quase panorâmica que se perdeu por culpa das árvores (cresceram) e de um prédio que nasceu na rua dedicada ao santo louvado pela Ordem de São Bento (ficava ali a cerca do convento). E tínhamos sobretudo o vislumbre dos arrebatamentos dos parzinhos que imaginávamos românticos.
Um destes domingos, voltei a subir à pequena montanha do Jardim da Estrela e desta vez o tempo passou devagar. Tão devagar que podia ter aparecido o leão trazido de África pelo explorador Paiva Raposo, no final do século XIX, que eu continuaria de coração aberto como ainda hoje estou.