Acredito que devemos estar atentos às coincidências, que esse é um exercício quase tão importante como contrastar os homens sobre as pedras. Entrar no Museu Bordalo Pinheiro e ouvir que as cerâmicas estão longe dos olhos dos visitantes até meados de dezembro fez -me, por isso, sorrir logo de manhã – ia precisamente à procura de tudo o resto.
Tinha saudades da casa no número 382 do Campo Grande, a que se acede por um corredor coberto de glicínias. Leio agora que ela foi desenhada pelo arquiteto Álvaro Machado, também autor do edifício da Sociedade Nacional de Belas Artes, na Rua Barata Salgueiro, e que ganhou uma menção honrosa no Prémio Valmor de 1914. Confesso que só me lembrava do ranger da madeira debaixo dos pés, e ia jurar que antes cheirava muito a cera.
Logo a seguir, nas minhas memórias apareciam histórias aos quadradinhos, com poderosos barrigudos, de roupagens ridículas. E por uma vez não eram falsas, mas faltava-lhes a densidade da crítica política e social que Rafael Bordalo Pinheiro transpôs para os jornais com tanto humor.
Por fim, voltei a babar- -me com as litografias, as ilustrações, os anúncios, os menus, as tampas para caixas de biscoitos (!). Saí tão satisfeita que já nem atravessei a rua para rever a bicheza bordaliana no jardim do Museu de Lisboa.