Que levante o dedo quem foi a São Miguel, nos Açores, e nunca ouviu palavras como atoleimado, corisco, gama, petxeno ou requim, no sotaque bem cerrado da ilha. A fala micaelense é língua bem enrolada e merece um capítulo no guia de São Miguel feito, em Ponta Delgada, por Joana Sobral e Rafael Lourenço, do coletivo lisboeta de design Vivóeusébio. O desdobrável azul e verde, que os dois designers fizeram de uma ponta à outra na Tipografia Micaelense, tem um mapa e várias indicações em português e em inglês: comes e bebes, a não perder, curiosidades e uma descrição da “ilha verde”, a que chamam, logo na capa, “cénica, exótica e romântica”.
“Adoramos ver guias antigos, temos mesmo uma coleção feita com coisas que vamos recolhendo por onde passamos”, conta Joana Sobral. Tendo família em São Miguel, a designer conhece bem os cantos à ilha, por visitar São Miguel todos os anos ultimamente. É a ela, conta, que os amigos recorrem para saber onde ir comer e o que visitar. “Pus aqui coisas pessoais, coisas de que gosto, nem são as mais importantes obrigatoriamente”, diz Joana, que veio a Ponta Delgada com Rafael Lourenço, para participar no Walk & Talk, o festival de arte urbana e de criações várias que ali leva artistas portugueses e estrangeiros de muitas áreas diferentes. Foi o ateliê de design Vivóeusébio o responsável pela nova imagem e logótipo do festival e também de toda esta edição, dos emblemáticos cartazes com paisagens micaelenses pintadas de azul e verde às fitas das mesmas cores que se penduraram nas fachadas de todos os lugares relacionados com o Walk & Talk.
É a primeira vez que Joana e Rafael trabalham numa tipografia com carateres móveis, mas, com a ajuda do Sr. Dinis, nem um nem outro se dão por incapazes – ou não estivessem eles já tarimbados com a impressora Riso que os Vivóeusébio utilizam em muitos dos seus trabalhos. A paciência do tipógrafo micaelense para os designers que vêm do continente parece não ter fim – já na edição do ano passado do Walk & Talk, ali esteve com Nuno Coelho e Nuno Neves (dos cadernos Serrote) e, juntos, criaram novas embalagens para os açorianos chás da Gorreana… um trabalho que infelizmente ainda espera para ser produzido (seria gigante o desperdício, de tão bonitas e bem feitas que são essas embalagens).
Agora, o sr. Dinis vai orientando Joana e Rafael com os carateres, as tintas e a alavanca da máquina que é preciso puxar no momento certo para imprimir o papel. “Além de ter uma coleção de carateres incrível, a Tipografia Micaelense vive muito da disponibilidade do sr. Dinis”, considera Joana, que já se mostra quase profissional a manejar tudo aquilo. Da junção de carateres vão nascendo ondas e baleias, da união de outros ainda mais pequenos vão surgindo alforrecas. Um trabalho de pormenor e paciência, sem botão de “desfazer”, que por aqui felizmente ainda se vai valorizando. Esperemos agora que o crescente turismo em São Miguel seja recebido por tão especial guia de viagem.