1. Eu Canto e a Montanha Dança
Irene Solà
Uma das boas novidades vinda de Espanha este ano, o segundo romance de Irene Solà, distinguido com o Prémio da União Europeia para a Literatura. Eu Canto e a Montanha Dança é uma obra singular, não só na forma, que integra vários registos, incluindo o desenho, como no conteúdo, no qual o elemento humano e o natural estão equiparados. Todos têm voz neste romance polifónico e todos revelam a sua sabedoria – os fantasmas e as bruxas, os animais e os fungos, as nuvens e as montanhas. No centro da narrativa estão Domènec e a sua mulher, Sió. Ele é um camponês que faz poesia só no falar. Ela fica viúva e tem pela frente a luta dos que ficam. Cavalo de Ferro, 192 págs., €16,45
2. A Idade Frágil
Donatella di Pietrantonio
Donatella di Pietrantonio nasceu em 1962, formou-se em medicina dentária e exerceu essa profissão durante anos. Mas, em 2011, surgiu na cena literária italiana com enorme êxito (de crítica e de leitores), tendo conquistado os principais galardões do país. O último foi o Prémio Strega, o mais importante da língua italiana, com o romance A Idade Frágil. Como A Filha Devolvida (2019), também é uma história familiar, entre mãe e filha. Passados muitos anos, Amanda regressa à casa materna na aldeia que sempre desvalorizou. E a mãe, com o seu instinto, rapidamente percebe que ocorreu uma pequena tragédia, tão diferente e semelhante à que a própria viveu na sua juventude. ASA, 240 págs., €18,60
3. A Pequena Comunista que Nunca Sorria
Lola Lafon
Os Jogos Olímpicos de Montreal, em 1976, foram inesquecíveis, devido às piruetas infalíveis, braços em cruz e “pontapé na Lua” da romena Nadia Comaneci, com 14 anos apenas. “A rapariga não esculpe o espaço, é o espaço, não transmite a emoção, é a emoção”, escreve a francesa Lola Lafon, que faz uma reconstituição – e um acerto de contas feminista e arrebatador – da vida da atleta que, ao crescer, perdeu a sua aura. Antígona, 272 págs., €17,50
4. A Parede
Marlen Haushofer
Apresentado como um “clássico ecofeminista”, poderia dizer-se deste romance que é um negativo de Walden ou a Vida nos Bosques (de Thoreau), uma versão de Robinson Crusoé e uma metáfora do temor existencial inspirada pela Guerra Fria à época da escrita. Mas é também um estudo minucioso sobre a finíssima linha que separa o animal social dos instintos. Uma mulher vai de férias para uma casa de campo isolada nos Alpes austríacos, descobrindo-se impedida de sair por uma barreira invisível. Confinada, descobre-se na Natureza. Imperdível. Antígona, 296 págs., €17,50
5. Vemo-nos em Agosto
Gabriel García Márquez
A publicação póstuma de obras inacabadas de grandes romancistas gera sempre muita polémica, e o derradeiro romance de Gabriel García Márquez não fugiu à regra. É certo que alguns dos capítulos já tinham sido publicados isoladamente em revistas e o conjunto chegou a ter a aprovação do escritor colombiano, Nobel da Literatura em 1982, mas Vemo-nos em Agosto não tem o fôlego de outras obras suas. Ainda assim, é o reencontro com a prosa inconfundível de um criador de personagens e enredos extraordinários, neste caso em torno de uma mulher que todos os anos regressa à mesma ilha. D. Quixote, 120 págs., €14,40
6. Dedico-lhe o Meu Silêncio
Mario Vargas Llosa
Para um leitor, não há melhor forma de encarar o fim de um percurso literário do que ler uma nova obra. E é isso que Mario Vargas Llosa proporciona a todos os que, durante décadas, acompanharam as suas narrativas, crónicas e intervenções públicas. Dedico-lhe o Meu Silêncio será o seu último romance e nele encontramos algumas das linhas de força que fizeram a fortuna do escritor peruano, Nobel da Literatura em 2010, uma voz sempre ousada e controversa, independente e livre. Dedico-lhe o Meu Silêncio é um ensaio sobre a música crioula e uma investigação sobre um músico, da mesma forma que também é um livro sobre um livro que se quer escrever, uma reflexão sobre o ato criativo. Quetzal, 256 págs., €18,80
7. A Fraude
Zadie Smith
Baseado em acontecimentos reais, este livro apresenta-se como romance histórico para melhor espanejar os velhos bustos e as sombras do passado colonial. Em 1873, um criminoso australiano exigiu ser reconhecido como herdeiro de fortuna e título nobiliárquico numa Inglaterra classista até à medula. Esta revisitação do “caso Tichborne” é acompanhada por uma personagem extraordinária: a governanta Eliza Touchet, prima do romancista William Ainsworth, crítica de Dickens, cética quanto ao sistema, pró-abolicionista, letrada e desconfiada da velha Britânia. Zadie usa-a para debater verdades históricas e literárias. D. Quixote, 536 págs., €24,90
8. Caruncho
Layla Martinez
“Quando passei a soleira da porta, a casa precipitou-se sobre mim. Este monte de tijolos e sujidade faz sempre a mesma coisa, lança-se sobre qualquer pessoa que atravesse a porta e retorce-lhe as entranhas até a deixar sem fôlego.” Eis a voz de uma neta a regressar ao lar rural familiar, fugida de uma acusação de crime, e que conduz o leitor para as terras áridas castigadas pelo franquismo espanhol – que também bem podiam ser as do salazarismo português – e para um mundo de regras que aproximam a realidade do fantástico. Uma narrativa de vingança e suspeição a duas vozes, uma leitura perturbadora e fascinante. Antígona, 128 págs., €15
9. A Vingança é Minha
Marie N’Daye
Já agraciada com o Prémio Goncourt, a romancista adentra-se agora num thriller psicológico que vai arrastando, devagar, o leitor para um labirinto tenso, tortuoso, nevoento. Tudo começa como numa banal história de detetives: o franzino e insignificante Gilles Principaux bate à porta do escritório de Susane, advogada acomodada. Ela conhece-lhe já a tragédia: a sua mulher está acusada do homicídio dos três filhos, uma Medeia contemporânea. Mas o que a faz retesar-se em desconforto, esfregando a testa “convencida de que ali tinha um vago ferimento”, é o encontro com este homem. Uma master class sobre poder e ambiguidade. Alfaguara, 240 págs., €18,45
10. A Picada de Abelha
Paul Murray
Distinguida por vários prémios, esta saga familiar ilustra extraordinariamente a tragicomédia realista, entre desesperança e humor negro, que a literatura irlandesa conhece bem. Nas Midlands pós-crise de 2008, fortuna e esperança andam arredadas da família Barnes: o pai Dickie afundou-se em negócios perdidos, a mãe Imelda frustra-se com a falta de dinheiro, a filha Cass vive uma amizade feminina que abana os preconceitos e o filho JP é uma caixa de ressonância pré-adolescente de várias angústias – e todos contam o seu lado da história. A infelicidade tem um momento big bang? A culpa foi da picada de abelha no dia do casamento dos pais? Uma leitura arrebatadora.
11. Maniac
Benjamín Labatut
Percurso singular o de Benjamín Labatut, nascido nos Países Baixos, em 1980, mas há muito radicado na América do Sul. Até há pouco tempo escrevia sobretudo em espanhol, mas com Maniac estreou-se na língua inglesa. Este é também o seu primeiro romance, depois de vários volumes de contos, incluindo Um Terrível Verdor, dominado por grandes figuras da ciência. Labatut segue agora a pista de outras figuras extraordinárias – Paul Ehrenfest, John von Neumann e Lee Sedol – para perceber a nossa ligação com as máquinas. Com muita inventividade e inúmeras variações de capítulo para capítulo, Maniac mostra as figuras por detrás das grandes criações dos últimos séculos e, mais do que isso, a vida própria que essas criações alcançaram (simbolizadas, no romance, no confronto de Sedol com um computador num jogo de Go). Relógio d’Água, 248 págs., €21
12. Retrato Huaco
Gabriela Wiener
Um dos grandes exemplos da força da literatura pós-colonial, aquela que não só desfaz estereótipos construídos no passado, mas que também evidencia a desconfiança em relação ao Outro que ainda marca as antigas potências coloniais. Nascida em Lima, em 1975, Gabriela Wiener vive há vários anos em Espanha e toda a sua existência balança entre os dois lados do Atlântico, sobretudo porque se acredita que a sua família descende de um explorador austríaco e francês que, no século XIX, andou pela Bolívia e pelo Peru. Agora, diante da sala com os objetos que Charles Wiener, esse explorador, trouxe da América do Sul, Gabriela dá início a um relato em que tudo questiona: a história, a opressão, o racismo, a identidade e a sexualidade. Antígona, 168 págs., €16
13. Desertar
Mathias Ènard
Duas narrativas fortes correm aqui, atravessando uma Europa assolada por conflitos, e onde se adivinha o espetro do conflito russo-ucraniano: a descrição vívida de um soldado desertor a lutar contra elementos exteriores e pulsões interiores, algures no maqui mediterrânico enlameado; e o apaixonante arco narrativo do matemático (alemão de leste) Paul Heudeber e da brilhante e livre Maja Scharnhorst, sua mulher (alemã ocidental), entre a ascensão do nazismo e o desmoronar das utopias comunistas. Ambas procuram “outros nomes para a esperança”, sustentadas pela escrita vigorosa de Énard. D. Quixote, 232 págs., €18,80
14. A Guardiã
Yael van der Wouden
Primeiro romance de Yael van der Wouden, escritora neerlandesa nascida em Telavive, em 1987, que chegou à short list do prestigiado Prémio Booker. Esta é uma história de vidas reconstruídas com os destroços da Segunda Guerra Mundial e a destruição nazi como pano de fundo. Uma mulher cuida obsessivamente da sua casa no campo. Chega a fazer inventários de tudo o que tem, com medo de roubos impossíveis. Essa aparente estabilidade será fortemente abalada pela chegada da namorada do irmão, Eva, que avivará, apenas com a sua presença e descuido (para os padrões de Isabel) memórias há muito enterradas. Uma narrativa sobre um lar que, como as pessoas, países e períodos históricos, esconde muitos traumas. Asa, 304 págs., €17,90
15. Intermezzo
Sally Rooney
Retratista exímia, Rooney tem uma naturalidade narrativa que introduz o leitor na mesa e na cama dos seus jovens adultos imaginados. Intermezzo foca-se no intervalo entre o verão e o Natal de 2022, quando o tabuleiro afetivo entre dois irmãos rivais e as suas parceiras amorosas vai mudando peças de lugar. O controlado Peter – bem sucedido advogado de Dublin que divide afetos entre Sylvia, alma gémea dos tempos de faculdade, e a jovem Naomi, uma carta fora do baralho – e o jogador de xadrez Ivan – a fazer um regresso celebrado a um caso com Margaret, uma mulher casada mais velha – testam as regras do mundo à sua volta. Há lágrimas, risos, sexo, momentos perfeitos. Que mais se pode pedir? Relógio D’Água, 423 págs., €24
16. Velar por Ela
Jean-Baptiste Andrea
Não se nasce sem consequências numa família italiana, mesmo que pobre, com o nome de Michelangelo. E esse será o fardo e a graça de um dos protagonistas do novo romance de Jean-Baptiste Andrea, realizador francês que se converteu às artes literárias com grande êxito. Velar por Ela chega a Portugal depois de ter sido distinguido, no ano passado, com o Prémio Goncourt, o mais prestigiado galardão das letras gaulesas. Michelangelo, ou Mimo, como é conhecido, recorda a sua vida quando se encontra à beira da morte, destacando o seu improvável percurso artístico e a relação com Viola Orsini, filha de uma família abastada. Ao correr das páginas, Velar por Ela faz-se de opostos que se atraem e se alimentam: a arte e a vida, o amor e a amizade, o génio e a vulgaridade, a guerra e a paz. Porto Editora, 376 págs., €19,99
17. A Corneta Acústica
Leonora Carrington
A pintora surrealista, cujos bestiários e figuras oníricas estão hoje a ganhar reconhecimento, foi uma escritora original e ferozmente não convencional, como bem patenteia este clássico de 1976, do qual poderia dizer-se que é também um bizarro manifesto contra o idadismo. Nesta edição ilustrada pelo filho de Carrington e prefaciada por Ali Smith, acompanham-se as aventuras de um grupo de senhoras idosas em guerra com o sistema e os pequenos poderes numa comunidade dita “de repouso” – onde, diga-se, estranhos acontecimentos têm lugar. Antígona, 228 págs., €18
18. Paradaise
Fernanda Melchor
Depois do torrencial Temporada de Furacões, caímos neste novo romance numa terra dividida por sonhos, contas bancárias e o inominável narcotráfico. Melchor cria um dispositivo de opostos nesta paisagem mexicana: o adolescente Polo vive na estagnada localidade mexicana de Progreso, para onde adia o regresso diário “enfrascando-se até aos gorgomilos”, mas trabalha no condomínio de luxo Paradise – Paradaise para os locais – como jardineiro explorado. Aí, deixa-se convencer pelo menino rico Franco, viciado em pornografia e obcecado por uma vizinha casada, a deitar mãos à miragem… Uma radiografia de tempos de violência, em que o mal regressou sem desculpas.Elsinore, 136 págs., €16,65
19. O Bebedor de Vinho de Palma
Amos Tutuola
É como uma espécie de Aventuras de João Sem Medo, de José Gomes Ferreira, em versão iorubá, esta obra até agora inédita em português. O Bebedor de Vinho de Palma é um clássico das literaturas africanas, publicado em 1952, e um quebra-cabeças para os tradutores. O seu autor, o nigeriano Amos Tutuola, escreveu-o no seu inglês rudimentar, com erros e até palavras inexistentes. O que era embaraçoso para a elite culta nigeriana foi visto como uma qualidade extraordinária por intelectuais como T.S. Eliot, responsável pela sua edição em Inglaterra e pela revelação ao mundo deste universo onírico assente na tradição oral iorubá. Tinta-da-china, 120 págs., €17,90
20. Como Amar uma Filha
Hila Blum
É possível uma mãe amar demasiado uma filha? Deve dosear-se a entrega? Como reagir quando os filhos começam a fugir ao controlo? As complexas questões da maternidade são levantadas à medida que esta ficção altamente intrigante decorre. A ação arranca na Holanda, quando Yoella, a mãe, assiste através da janela, na rua, sem revelar a sua presença, a uma cena doméstica da filha, Leah, com as respetivas filhas. Leah abandonou a família há vários anos, sem deixar rasto, e estas páginas são uma tentativa de perceber o porquê. O tom da escritora israelita é, às vezes, autopunitivo, outras apenas o das lembranças; tem laivos de diário e muita carga emocional. Quetzal, 272 págs., €18,80
21. Dia
Michael Cunningham
Dizer que Dia, o novo romance de Michael Cunningham (um regresso ao fim de dez anos) é sobre a pandemia de Covid-19 é obviamente dizer muito pouco. Mas salientamos esta dimensão da narrativa porque ela mostra a atenção que o escritor norte-americano sempre dedicou à intimidade, aos espaços familiares, às relações entre pessoas próximas, condição que o vírus que parou o mundo só potenciou, para o bem e para o mal. Na verdade, Dia é uma narrativa em três tempos que reflete as vicissitudes de uma família no mundo contemporâneo. No mesmo dia – 5 de abril – de três anos diferentes – 2019, 2020 e 2021 –, tece-se uma rede de afetos, desafios e obstáculos que vão questionar a harmonia de cada membro e do conjunto. Gradiva, 320 págs., €18,50
22. Canção do Profeta
Paul Lynch
Vencedor do Prémio Booker em 2023, o romance do irlandês Paul Lynch insere-se na longa tradição da literatura distópica. Como num romance histórico que olha para trás para interrogar o presente, também esta visão de um futuro radical interroga as opções e os desgovernos da atualidade. O palco, neste caso, é a Irlanda que se vê dominada por um regime totalitário apoiado pela extrema-direita. Com o desaparecimento do marido, um sindicalista, Eliish, sozinha com os quatro filhos, tem de decidir se fica e resiste ou se foge e sobrevive. Num estilo único e torrencial, Lynch capta as angústias de cada personagem e dos nossos tempos. Relógio d’Água, 336 págs., €22