1. JP Simões Canta José Mário Branco
JP Simões
Um dos vários momentos altos na carreira a solo de JP Simões, pós-Belle Chase Hotel e Quinteto Tati, foi a interpretação, no disco 1970 (publicado em 2007), de Inquietação, de José Mário Branco. Há versões que marcam. Por isso, não é com total surpresa que assistimos ao lançamento de todo um disco dedicado às canções do músico nascido no Porto em 1942 e subitamente desaparecido em novembro de 2019. Tudo começa com As Contas de Deus e rapidamente se confirma que o inconfundível timbre de JP Simões encaixa na perfeição no fraseado verbal e musical, nem sempre fácil e muito menos óbvio, das canções de José Mário Branco. A voz de JP soa mais séria do que nunca, praticamente sem aquele grão de ironia que lhe conhecemos bem. A escolha do repertório de José Mário Branco aqui cantado foge da lógica “best of”. São canções de várias épocas, da camoniana Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades a Sopram Ventos Adversos (também cantada por Camané), de Travessia do Deserto a Mariazinha, num total de oito versões. Uma belíssima homenagem.
2. Para Dançar e para Chorar
Teresinha Landeiro
Sinal de como a canção de Lisboa se reinventou e se dinamizou enormemente neste século, a concorrência no mundo das vozes femininas do fado é hoje feroz. Ao seu terceiro disco, Teresinha Landeiro, 27 anos, quer afirmar-se no pelotão da frente, na primeira divisão (e chega de metáforas desportivas). Tem bons argumentos para o fazer, além da sua voz cativante. Misturando o universo do fado com a livre escrita de canções, da própria Teresinha e de convidados de outros géneros musicais e várias gerações – Mário Laginha, Milhanas (autora de letra e música da faixa de abertura, Chegou a Hora), Maro, Beatriz Pessoa, Jorge Cruz… – e até com uma faixa de raízes populares (Folclore dos Avós, com letra da fadista), esta é uma fórmula que tem tudo para resultar.
3. Pisaduras
Hélio Morais
Murais, lançado em 2021, e assinado com esse mesmo nome, já podia ser considerado um primeiro disco a solo do baterista fundador dos Linda Martini e dos Paus. Mas não é por acaso que agora Hélio Morais decidiu assinar um disco, este Pisaduras, com o seu nome pela primeira vez. Afinal, estas canções e este álbum apostam nesse exercício difícil e arriscado (sobretudo na música) do registo autobiográfico. Com a ajuda do produtor brasileiro Benke Ferraz, dos Boogarins, Hélio quis colocar-se, inteiro, nestas oito faixas – com títulos como Pra que Chegue ao Fim, Olhos Salgados, Sonhei Coisa Proibida ou Almoço de Domingo. Há algo de terapêutico neste trabalho íntimo, e o músico assume-o: “Fazer um disco, este disco, trouxe-me a consciência de como estas pisaduras se tornaram passado”, escreveu.
4. Épico Normal
Cavala
Se há bastantes exemplos de mulheres no universo do rock português, muito mais raros são os casos de bandas integralmente femininas. São assim as Cavala, grupo formado no Porto por cinco músicas, praticantes de um rock experimental, livre, com uns pós de punk, tanto musicalmente como na atitude. Em Valores Grossos, uma das sete faixas deste álbum de estreia, todas as palavras vêm do mesmo sítio: declarações da Comissão de Inquérito ao Novo Banco. Com linhas de baixo bem marcadas, palavras mais ditas do que cantadas, mudanças súbitas dentro de cada canção, esta música transporta-nos para um ambiente de pequenos e fumarentos clubes de rock, palcos de descobertas, e tanto remete para imaginários de outros tempos (a excitação com a cena mais alternativa do rock português nos anos 80/90) como para a urgência de dizer coisas aqui e agora.