1. Morna Mansa
Madalena Palmeirim
Lançado no final de 2019, o disco de estreia de Madalena Palmeirim, Right as Rain, acabou por passar muito despercebido, porque levou com uma pandemia em cima no momento em que mais se ia mostrar ao público. O regresso faz-se, agora, com Cabo Verde no coração. A magnífica e inconfundível música cabo-verdiana é mais do que uma discreta influência. Faz parte da identidade deste Morna Mansa, que nasceu duma viagem, com tempo, de Madalena, com o seu cavaquinho, à ilha de São Vicente. O tom de hedonismo e aprendizagem nesta aventura ouve-se logo na primeira faixa É Bô (com a voz de John d’Brava): “Tudo é festa, é utopia…” Os dois últimos temas, Marinha e Afortunada, têm, respetivamente, letras de Margarida Vale de Gato e Lídia Jorge. A voz de Madalena soa terna e feliz.
2. Wall of Eyes
The Smile
Quando apareceram, de surpresa, em maio de 2021 – num “concerto” em streaming, coisas da pandemia… –, ninguém sabia muito bem como definir a música dos The Smile. E quando lançaram o disco de estreia, A Light for Attracting Attention, em maio de 2022, a dificuldade manteve-se. A atenção ao projeto, essa, estava garantida à partida. Afinal, juntam-se aqui dois membros ilustres de uma banda com a dimensão dos Radiohead, Thom Yorke e Jonny Greenwood. O terceiro elemento é o baterista Tom Skinner, que nos Sons of Kemet navegava pelas águas de um jazz contemporâneo, sem fronteiras bem definidas. Chegou-se, até, a chamar jazz à música dos The Smile, mas esse não parece ser um tiro muito certeiro… Evocar a pop e o rock parece tão vago como limitativo. Ao segundo disco, outra vez com produção de Nigel Godrich (nome fundamental na discografia dos Radiohead), seguem no mesmo caminho difícil de definir, dando largas ao talento de autor de canções de Thom e aos impulsos criativos e experimentais do próprio, de Greenwood e de Skinner. Chamemos-lhe… música, boa música.
3. King Perry
Lee Scratch Perry
A morte de Lee Scratch Perry, em agosto de 2021, aos 85 anos, tornou o seu nome ainda mais mítico do que já era. Sinónimo da energia da cultura reggae e dub jamaicana, soube sempre manter-se relevante, afirmar uma identidade própria, abrir-se ao mundo. Este disco póstumo – uma espécie de herança e homenagem ao mesmo tempo – não podia revelar melhor essa dimensão. Escrito e gravado durante a pandemia, King Perry tem várias colaborações (Tricky, Shaun Ryder, Greentea Peng…) e leva o espírito do dub para outros territórios: drum‘n’bass, big beat, synth, eletrónica… A última faixa não podia ser mais apropriada: Goodbye, o derradeiro registo gravado da voz de Lee Scratch Perry, transforma-se em despedida, ecoando no final “goodbye, bye, bye, bye…”. Um disco que é um perfeito adeus.
4. Three Bells
Ty Segall
Associamos o músico californiano à urgência do rock, guitarras estridentes com uma sonoridade própria (algo cada vez mais difícil de conseguir…), uma atitude irrequieta que o faz multiplicar-se em muitas gravações e projetos. Ouvindo o novo Three Bells (apresentado no formato de álbum duplo, apesar de ter pouco mais do que uma hora de música, em 15 faixas), encontramos essa identidade mas reconhecemos, gradualmente, algo de novo: para lá da urgência e rapidez, há agora uma atenção aos pormenores, uma produção cuidada, até meticulosa, com apontamentos surpreendentes a pincelarem as canções e a convidarem a descobertas a cada nova audição. Ty Segall confirma que este foi o disco que lhe levou mais tempo, quase dois anos. Será isto a maturidade? Se é, fica-lhe muito bem.