1. Uma História de Amor e Trevas
Amos Oz

Uma História de Amor e Trevas é e não é uma autobiografia, mas vamos por partes. É uma autobiografia porque é um livro sobre os primeiros anos da vida do autor, o escritor Amos Oz, uma das maiores vozes da literatura israelita contemporânea, eterno candidato ao Nobel, desaparecido em 2018. Não é uma autobiografia na medida em que, de todos os livros de Oz, é provavelmente aquele em que o escritor eleva à enésima potência toda a sua capacidade metafórica. Um exemplo logo nas primeiras páginas: “Em Telavive as pessoas andavam de maneira diferente: saltavam e planavam como Neil Armstrong na Lua. Em Jerusalém andava-se como num funeral, ou como os espectadores atrasados num concerto: primeiro apalpa-se o terreno com a ponta do pé.” Publicado em 2002, Uma História de Amor e Trevas conta a história de um menino judeu nascido em 1939 e de um jovem cuja adolescência ficou marcada pelo suicídio da mãe. Um dia, decide sair de Jerusalém e viver para um kibutz: “Deixar os livros e os sentimentos para viver uma vida simples, no campo, uma vida de fraternidade e trabalho manual.” O livro (o romance?) também conta, claro, a história de um país erguido numa encruzilhada de culturas, conflitos e religiões. Se sempre se disse que Amos Oz era um profeta, esta é a obra-prima do profeta. Dom Quixote, 648 págs., €24,90
2. Um Dia na Vida de Abed Salama
Nathan Thrall

Para a Zigurate, editora que acaba de lançar este Um Dia na Vida de Abed Salama, é aquilo a que se chama um tiro de sorte. A tragédia provocada pelos acontecimentos de 7 de outubro acabou por renovar a atualidade do livro agora publicado: um texto de não-ficção sobre um miúdo palestiniano de 5 anos, entusiasmado com a visita de estudo a um parque temático nos arredores de Jerusalém. O autocarro em que segue Milad Salama nunca chega, porém, ao destino. O pai de Milad, Abed, ao saber do acidente, inicia uma peregrinação em busca do filho desaparecido: as crianças foram levadas para diferentes hospitais de Jerusalém e da Cisjordânia; como Abed está do “lado errado do muro”, não consegue movimentar-se à vontade pelo território, enfrentando uma série de barreiras físicas, administrativas, culturais e emocionais. Nathan Thrall, o autor de Um Dia na Vida de Abed Salama, é um jornalista norte-americano de origem judaica e vive em Jerusalém. Colaborador da The New York Times Magazine, da The New York Review of Books e da London Review of Books, faz uso da escrita jornalística para, de forma clara, direta e objetiva, revelar uma história individual que é capaz de ilustrar a dura realidade da região. Falamos em causa própria, mas com alguma propriedade, cremos: o jornalismo é uma arte nobre quando, através de um caso particular, dá conta dos maiores dramas do mundo. Zigurate, 208 págs., €18,80
3. Um Detalhe Menor
Adania Shibli

Foi uma decisão que mostra bem o ambiente de polarização que se impôs nas sociedades contemporâneas. Depois de ter atribuído o LiBeraturpreis à palestiniana Adania Shibli, a Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, que decorreu na semana passada, decidiu adiar a cerimónia de entrega do prémio devido “à guerra iniciada pelo Hamas”. E assim se fechou a porta à possibilidade de divulgar melhor um dos lados do conflito que a narrativa de Shibli tão bem mostra. O seu romance começa em 1949, no início da Nakba, a expulsão dos palestinianos das suas terras antes da formação do Estado de Israel. Raiz do atual conflito, que uma jovem mulher de Ramallah dos dias de hoje tenta compreender. D. Quixote, 160 págs., €15,50
4. Palestina
Joe Sacco

Há muitas formas de mostrar o conflito na Palestina, sobretudo o da Faixa de Gaza. A de Joe Sacco é uma das mais originais, porque mistura o jornalismo e a banda desenhada, a experiência no terreno cruzada com a expressividade do seu traço e ponto de vista. Este Palestina, há muito esgotado, mas agora disponível numa nova edição ampliada e definitiva, foi publicado originalmente em 1996 e continua muito atual. Descreve uma viagem de Jerusalém até Gaza, numa identificação do que une mas também do que separa pessoas que vivem tão perto. Se a BD não nos dá a crueza das imagens da fotografia e da televisão (que, às vezes, é preciso dar a ver), o relato envolve-nos, pela sua emoção e pelas muitas dúvidas que (nos) levanta. Tigre de Papel, 300 págs., €24,95
5. Oriente Próximo
Alexandra Lucas Coelho

Nos jornais, na televisão e até nas redes sociais, Alexandra Lucas Coelho tem sido uma das vozes mais esclarecidas e informadas sobre o mais recente conflito na Faixa de Gaza. Para isso muito contribui a sua longa experiência de jornalista e a temporada que passou em Israel, em 2005 e 2006, como correspondente do jornal Público. Antes e depois, houve muitas viagens e textos, alguns reunidos, em 2007, em Oriente Próximo, uma extraordinária introdução à dimensão humana do conflito. Nas suas reportagens, Lucas Coelho cobre uma ampla área geográfica, do Líbano a Gaza, e uma vasta galeria de pessoas comuns com as suas histórias, vivências e lutas. Em todos os textos, interessa-lhe sobretudo compreender os estilhaços da História. Uma obra há muito esgotada (disponível em bibliotecas), que urge reeditar. Relógio D’Água, 298 págs.
6. Palestina – Uma Biografia
Rashid Khalidi

Só aumentando o arco cronológico será possível entender todas as dimensões do atual conflito na Faixa de Gaza. Para essa visão global, Palestina – Uma Biografia é seguramente um dos melhores livros. Rashid Khalidi é um historiador muito conceituado da História do Médio Oriente e descendente de uma família que é, há várias gerações, uma testemunha privilegiada (já o seu tio-avô previra os problemas que vivemos hoje em dia). A sua tese é a de que estamos perante um conflito entre duas partes desiguais, com uma guerra sistemática contra a Palestina, que se iniciou há mais de um século. A sua pesquisa baseou-se em arquivos, documentos familiares e na sua experiência. Com rigor e imparcialidade, Khalidi analisa o que considera seis declarações de guerra: de 1917 a 1939; em 1947/48; 1967; 1982; entre 1987 e 1995; e a mais longa, que vai de 2000 a 2014. Ideias de Ler, 404 págs., €19,99
7. Dez Mitos sobre Israel
Ilan Pappé

Historiador e professor na Universidade de Exeter, dissidente sionista, Ilan Pappé tem procurado desfazer alguns dos mitos que se criaram em torno da História de Israel, da fundação do seu Estado e da realidade que se vivia na Palestina no início do século XX. “Enquanto as distorções e os pressupostos herdados não forem questionados, continuarão a ser um escudo de imunidade para o atual regime desumano imposto às terras palestinas”, defende, na introdução ao livro Dez Mitos sobre Israel, publicado em 2017. Aqui, são desmontadas “falácias” e “ideias feitas” do passado e do presente e que passam pelo colonialismo, as guerras, os acordos de paz e a ocupação da terra. Uma análise informada e documentada para conjugar com outra leitura obrigatória: 100 Mitos sobre o Médio Oriente, que o irlandês Fred Halliday (1946-2010) publicou em 2005 e que a Tinta-da-China editou em Portugal. Edições 70, 240 págs., €17,90