Luís, como é ter uma editora com 20 anos?” A pergunta também é da VISÃO, mas foi-lhe colocada em primeiro lugar pelo Presidente da República, durante a celebração de aniversário da editora, em junho último, na Feira do Livro de Lisboa. “O mercado evoluiu mais nestas duas décadas do que nos 40 ou 50 anos anteriores”, responde Luís Corte Real a esta equipa de repórteres. Quando se estreou, de forma totalmente amadora, em 2003 – “nem sabia que existiam as distribuidoras entre a editora e as livrarias, nem sequer como comprar direitos ou pagar royalties”, confessa –, este ex-copywriter, com dez anos de experiência em publicidade, tinha apenas a vontade de montar um negócio próprio. Escolheu fazê-lo num mundo que é, dirá mais do que uma vez ao longo desta conversa, o seu “hobby número 1, 2 e 3”.
Quando criou a Saída de Emergência, relembra, “não existiam os grandes grupos editoriais, o mercado vivia de pequenas editoras, algumas com dificuldades financeiras… E estava ávido de mudança”. Fundou-a com o irmão (com quem já não trabalha), com o objetivo de publicar literatura fantástica, “que inclui a ficção científica, a fantasia, o horror”, esclarece. “Mas percebemos que era um nicho e tivemos de diversificar para outros géneros”, continua. Com aposta em capas mais criativas e chamativas, entraram no romance, nos thrillers, na não ficção. Do universo dito mainstream somam, a título de exemplo, 60 romances da escritora norte-americana Nora Roberts; os dez volumes d’As Crónicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin [em Portugal, cada um dos tomos originais é dividido em dois livros]; ou a A Arte Subtil de Saber Dizer Que Se F*da, de Mark Manson, livro que vendeu mais de 150 mil cópias – “o chamado alinhamento de estrelas”, diz. É impossível, garante Luís Corte Real, “saber se um livro vai vender ou não”. “Ser editor é como jogar na bolsa. Às vezes, apostamos tudo num livro, que está nos tops lá fora, trazemos o autor cá, compramos montra [em livrarias], tudo. E o livro não vai a lado nenhum.”
Costumo dizer que estive 40 anos a preparar-me para ser escritor. Publica-se e vende-se muita porcaria
A verdade é que o mercado editorial não é alheio a modas. “Há 20 anos, foi o Harry Potter; depois, veio o O Código Da Vinci e tudo o que estivesse relacionado com os templários, os illuminati; depois, os anos dos vampiros, com a saga Crepúsculo; agora, nos tops há muito new adult, romances para pessoas entre os 18 e os 20 e poucos, já com algo erótico”, explica. Filões que a Saída de Emergência também agarrou. “Um editor não pode comprar só aquilo de que gosta.” Uma das suas paixões continua a ser a literatura fantástica – a casa onde recebeu a VISÃO, em São Pedro do Estoril, está cheia de peças decorativas alusivas ao género –, e, na editora, os livros desse universo entram numa coleção chamada Bang!, também com uma revista, um podcast e um festival, a acontecer entre 6 e 8 de outubro, em Vila Nova de Gaia. “Sei que é um nicho, e temos o problema de muitos destes leitores lerem em inglês, na língua original.” E acrescenta: “Diz-se que se está a ler mais em Portugal, mas ainda é muito pouco. Cada português lê, em média, meio livro por ano. Isto faz com que sejamos um mercado muito residual.” Ainda assim, as apostas da editora não esmorecem. Em 2024, vão editar mais de 30 autores portugueses, de géneros variados (romance, literatura erótica, thriller), dentro da média de 70 livros que costumam publicar por ano. “Está-se a escrever muito bem em Portugal.”
Aos 49 anos, em prol da editora, mas igualmente do trabalho enquanto escritor, tornou-se uma persona ativa no Instagram (ver @luiscr_editor). Todas as manhãs, publica vídeos sobre os bastidores do trabalho na edição, sobre novidades dos seus livros e muitas dicas para novos autores – escreverem todos os dias, pelo menos, 200 palavras é uma delas –, que, partilhadas também através da página da Saída de Emergência, chegam às 15 mil visualizações. “Há muitos jovens a quererem publicar e não sabem por onde começar. Não sei as estatísticas, mas diria que 60-70% são mulheres.”
Diz-se que se está a ler mais em Portugal, mas ainda é muito pouco. Cada português lê, em média, meio livro por ano. Isto faz com que sejamos um mercado muito residual
Já Luís, assim que decidiu publicar o primeiro livro, O Deus das Moscas Tem Fome, o primeiro volume das aventuras de Benjamim Tormenta, um detetive do oculto, em 2021, sabia por onde começar. “Costumo dizer que estive 40 anos a preparar-me para ser escritor. Publica-se e vende-se muita porcaria, há bestsellers que são maus. Eu só escrevi quando achei que tinha uma boa ideia”, explica. É um ávido leitor desde criança, por diferentes influências. “O meu tio dava-me BD; os meus pais, Os Cinco; a minha avó, a coleção Vampiro, da Livros do Brasil, e depois outros clássicos.” E reconhece que foi mais fácil passar tempo fechado a ler numa era pré-internet. “As minhas filhas [15 e 16 anos] dizem-me que têm inveja de eu ter crescido nos anos 80. Agora, faço com elas umas tardes de cinema chamadas ‘Sessões do Pai’, em que vemos o Inception, o Interstellar, o Rocky, a A Lista de Schindler.” Porque acredita que até a forma como se contam histórias hoje, seja em livros ou no streaming, é diferente de outros tempos.
Acorda cedo, passa as manhãs a ler, escreve todos os dias, sempre em letra Times New Roman, tamanho 12. Em 2022, deu ao prelo o segundo volume de Benjamim Tormenta, Assim Falou a Serpente, e neste ano estreou-se noutro estilo, o da realidade alternativa, com Lisboa Noir (ver caixa). “Os meus livros são sempre contos interligados, que fazem parte de uma narrativa, com um arco que atravessa a história. Leem-se com uma ordem cronológica, que se traduz na experiência de um romance, mas são escritos em partes.” Os primeiros dois livros passam-se na Lisboa queirosiana de 1870, época que o escritor estudou através de uma bibliografia vasta: “Para escrever uma página, tenho 20 ou 30 de notas de pesquisa, sobre carros, roupas, comidas, tudo.” O terceiro decorre numa Lisboa de 1928, imaginada de raiz pelo autor. É quase certo que um e outro conheçam sequelas nos próximos anos, mas, para já, Luís está a trabalhar num livro da categoria new adult. “Fantasia pura, num mundo diferente. Vou tentar pegar em algumas tropes [aqui usadas no sentido de fórmulas de construção de histórias, como “inimigos a amantes”, personagens que se odeiam e acabam por se apaixonar] e juntar na história.” Aguardemos, pois, as novidades para 2024.
História alternativa
![](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2023/09/230910_Lisboa_Noir-1.jpg)
E se D. Miguel tivesse saído vencedor da Guerra Civil do século XIX? No imaginário de Luís Corte Real, 100 anos depois, Lisboa seria a capital de três reinos (Portugal, Espanha e Brasil), uma cidade cosmopolita e desejada por habitantes de todo o mundo, repleta de néones, arranha-céus e dirigíveis que cruzam os céus. É neste cenário, muito rico em descrições e detalhes, que se desenrolam as histórias das várias personagens que compõem Lisboa Noir, um livro formado por contos, todos interligados entre si. Num universo com um quê de fantástico, uma escrita com ritmo e alguma tendência para o humor, o autor constrói histórias à volta de figuras como Ulisses Garcia, o detetive anão, com um escritório na Avenida da Liberdade; Lana Bronze, jornalista do Diário de Notícias, a investigar uma história nas ruas de Lisboa; ou Sara Lobeira, aspirante a escritora. Cada uma com a sua aventura, mas que se cruzam, por vezes, na mesma Lisboa alternativa de 1928.