1. Os Engenheiros do Caos
Giuliano da Empoli
É impossível perceber a política do século XXI, sem conhecer os bastidores do movimento populista global e a forma como este usou a internet e as redes sociais para abalar os alicerces das democracias contemporâneas. Nas palavras do ensaísta e conselheiro político italiano Giuliano da Empoli, estabeleceu-se um “Carnaval” subversivo que se alimenta de dois ingredientes: “a raiva de certos meios populares que se baseia em causas sociais e económicas reais” e uma “máquina de comunicação superpoderosa”, concebida originalmente para fins comerciais, que se tornou o instrumento privilegiado de todos os que querem manipular a opinião pública.
São estes os engenheiros do caos – “os novos doutores Strangelove” da política –, spin doctors, ideólogos, cientistas e especialistas de big data, fundamentais para ajudar os líderes populistas como Trump, Salvini e Bolsonaro a chegar ao poder. Neste livro, que arranca em Itália – país que o autor chama “Silicon Valley do populismo” – e passa por Inglaterra e pelos Estados Unidos da América, ficamos a conhecer melhor figuras como Steve Bannon e Dominic Cummings, e descobrimos a importância decisiva de Gianroberto Casaleggio, Milo Yiannopoulos, Arthur Finkelstein na construção da propaganda populista atual. Uma era em que a vida pública muda radicalmente de regras, de instrumentos e de protagonistas – eis a nova “política quântica”, onde nada é linear. Mafalda Anjos. Gradiva, 200 págs., €14,50
2. Crónicas de Lisboa
Ferreira Fernandes (texto) e Nuno Saraiva (ilustrações)
É suspeita a autora destas linhas, porque, em abono da verdade, deve preanunciar a sua admiração por Ferreira Fernandes e por Nuno Saraiva. Os dois são mestres maiores desta arte de contar histórias, o primeiro, jornalista, através da palavra escrita; o segundo, ilustrador, através da imagem. Juntos, constituem uma daquelas duplas criativas que transformam em ouro tudo o que tocam. Começaram, durante a pandemia, a escrever as Crónicas de Lisboa no jornal digital da capital Mensagem de Lisboa, e o resultado é compilado agora em livro. Viajamos pela cidade com Peyroteo, o rei leão, com Luís Alves, o último carrasco, com Madame Brouillard, a pitonisa do Chiado, com a Júlia Florista, o Carlos do Carmo… e surpreendemo-nos com o que descobrimos. Uma leitura divertida, inteligente e bonita – há combinação melhor? M.A. Edições Asa, 64 págs., €11,50
3. O Cuco
Camilla Läckberg
Depois de uma dupla incursão num romance mais realista e social, centrado numa personagem feminina com muitos obstáculos para superar (Faye), Camilla Läckberg regressa ao território literário que a tornou uma das escritoras suecas mais populares da atualidade, no seu país e internacionalmente. O Cuco é a 11.ª investigação da dupla Erica Falck e Patrik Hedström, ela escritora, ele o inspetor da polícia. A pequena localidade de Fjällbacka e os muitos segredos que se escondem debaixo da neve ou atrás de uma porta compõem o resto da lista de ingredientes que cativam o leitor desde a primeira página. Em O Cuco, deparamo-nos com várias mortes sem ligação (a de um fotógrafo e a da família de um escritor). Duas semanas elétricas, embora a solução talvez esteja num outro crime, cometido na década de 80 do século passado, envolvendo uma mulher transexual. L.R.D. Porto Editora, 424 págs., €22
4. Chapeuzinho Amarelo
Chico Buarque (texto) e André Letria (ilustrações)
Génio das palavras cantadas ou escritas, Chico Buarque publicou Chapeuzinho Amarelo em 1979. O seu primeiro livro para o universo infantil teve mais de 40 edições, só no Brasil, e é agora editado em Portugal pela Tinta da China. A história gira à volta de uma menina com medo de tudo, de coisas assustadoras como trovões, mas também de coisas divertidas, como brincar de amarelinha – ou jogar à macaca, como se diz deste lado do Atlântico. Chapeuzinho Amarelo, com ilustrações de André Letria, é o segundo título da Coleção Pererê (logo a seguir a Flicts, de Ziraldo Alves Pinto), composta por clássicos da literatura infantojuvenil brasileira. A Bolsa Amarela, de Lygia Bojunga, Bisa Bia, Bisa Bel, de Ana Maria Machado, e As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato são os restantes títulos que poderão ser adquiridos em separado ou em conjunto (€73,90). I.B. Tinta da China, 56 págs., €14
5. Kramp
Maria José Ferrada
A par de Não Deixes que uma Boa Notícia te Estrague o Dia, do espanhol Ramón Eder, Kramp, da chilena Maria José Ferrada, é um dos lançamentos inaugurais da nova chancela do Grupo Narrativa, Questão Pentagonal. A curadoria está a cargo do escritor Afonso Cruz, que também assina as apresentações e, nestes casos, as traduções. Se em Eder encontramos aforismos inesperados, em Kramp é o olhar de uma criança que nos seduz. Autora de inúmeros livros infantis, Ferrada estreou-se aqui no romance, sem abandonar o universo mágico infantil. Ao acompanhar o pai (vendedor de ferragens e ferramentas) pelo país, M. (que narra na primeira pessoa) atravessa os anos duros do Chile de Pinochet. E para o que vê à sua volta e para o que sente à medida que cresce consegue encontrar sempre a melhor metáfora, incluindo as que remetem para pregos e afins. L.R.D. Questão Pentagonal, 144 págs., €16
6. A Saga/A Fuga de J.B.
Gonzalo Torrente Ballester
Nova edição de um romance único, publicado em 1972. O registo é torrencial, quase sem parágrafos, com uma ironia e um subtil humor permanente. O enredo situa-nos numa cidade galega inventada, Castroforte del Baralla, onde misteriosamente desapareceu a relíquia do “Corpo Santo”. Pretexto para uma mistura hábil de tempos, histórias e personagens… Depois de ler este romance, escreveu José Saramago: “À direita de Miguel de Cervantes de Saavedra, autor do Quijote, havia, até hoje, um lugar vago. Acaba de ser ocupado por Gonzallo Torrente Ballester.” Já o relatório da censura franquista falava de um livro “totalmente impossível de entender” com “uma série de malucos que dizem muitos disparates” – conclusão: não merecia aprovação nem proibição, apenas um “silêncio administrativo.” A verdade é que continua a ser, hoje, lido um pouco por todo o mundo. P.D.A. Quetzal, 696 págs., €24,90
7. O Crepúsculo do Mundo
Werner Herzog
Há vidas, diz o aforismo, que davam um livro. E a de Hiroo Onoda é uma delas. Colocado nas Filipinas durante a Segunda Guerra Mundial, nunca teve notícia da rendição do Japão e, por isso, continuou a servir o seu imperador, durante mais 30 anos, como fiel soldado.
Mesmo quando tentaram avisá-lo por folhetos, jornais ou altifalantes, nada o demoveu, e nos aviões norte-americanos que, anos mais tarde, cruzam os céus a caminho da Coreia e do Vietname reforçou as suas convicções. De livro, verdadeiramente. E o próprio Onoda publicou o seu, Sem Rendição. O francês Arthur Harari recriou-o no cinema, em Onoda – 10 000 Noites na Selva, e surge agora uma nova aproximação, a de Werner Herzog, que sempre se focou em cenários, situações e personagens exuberantes.
De passagem pelo Japão, o realizador alemão pediu para conhecer o ex-soldado e a ligação foi imediata. Além do inusitado da história, interessou-lhe a caminhada contínua a que Hiroo Onoda se entregou, primeiro com outros dois soldados, depois sozinho. Até à sua rendição, em 1974, havia poucos momentos de descanso; parar era morrer, e os dias sucediam-se. Em capítulos curtos, Herzog descreve admiravelmente esse tempo sem tempo, na tentativa de entender uma vida que passou a fronteira do concreto e entrou no campo do onírico, o que talvez explique a opção por um livro e não de um filme. “O combate de Onoda é feito da união de um nada imaginário e de um sonho”, escreve Herzog. “Mas o combate de Onoda, gerado assim do nada, é um acontecimento avassalador, um acontecimento arrebatado à eternidade”. Não haverá leitor que o consiga negar. Luís Ricardo Duarte. Zigurate, 112 págs., €14,80