1. Every Loser
Iggy Pop
No que parecia um (belo) ocaso do grande rocker, Iggy Pop lançava em 2019 o disco Free, assumidamente contemplativo, com influências de jazz e reflexões experientes, na ressaca da colaboração com Josh Homme em Post Pop Depression. Uns anos antes, num francês de sotaque yankee bem carregado, mas sem transgressões musicais, revisitava o clássico dos anos 40 Les Feuilles Mortes ou La Javanaise, de Gainsbourg. Numa carreira com mais de 50 anos, a velha “iguana” descansava, com os seus óculos de ver ao perto, numa maturidade bem-comportada, certo? Errado. Assim que pomos o novo disco de Iggy Pop (nascido James Osterberg há 75 anos) a tocar, caímos diretamente e com estrondo em Frenzy. Os primeiros segundos desse tema evocam imediatamente a eletricidade de I Wanna Be Your Dog, canção imortal de 1969, símbolo do lado mais selvagem e livre do rock, pré-punk, que Iggy Pop tão bem encarnou nos The Stooges.
Ao percebermos que, em janeiro de 2023, o músico quis voltar a esses caminhos, tememos o pior (ou seja, um pastiche caricatural do que não se pode repetir). Com surpresa, vamos verificando, canção após canção, que estamos a ouvir Iggy no seu melhor (e houve fases bem desinspiradas nestas cinco décadas de discos…). A sensação de urgência, as guitarras, a rapidez punk na escolha de títulos, as ironias ácidas, está tudo aqui. Intacto. Pedro Dias de Almeida
2. Cool It Down
Yeah Yeah Yeahs
Os Yeah Yeah Yeahs foram dos principais pontas de lança do renascimento do indie-rock na viragem do século, explodindo em Nova Iorque juntamente com os Strokes, os TV on the Radio ou os LCD Soundsystem. Nos últimos anos, no entanto, andavam algo desaparecidos, embora a sua inesquecível frontwoman, Karen O, tenha continuado a editar música em nome próprio. Este Cool It Down aparece, assim, sem aviso, nove longos anos depois do último disco do trio. E em boa hora regressou. A banda procura, e consegue, fazer uma súmula do que foi nos tempos áureos e agressivos dos pequenos bares do seu bairro e do que é agora: um grupo de malta necessariamente mais velha, mais subtil, menos unidimensional. O arranque, com a melancólica Spitting Off the Edge of the World, mostra-nos esse mundo novo, mas nada há a temer. O nervo, a energia, a mestria pop e a vontade de fazer dançar ainda andam, felizmente, por aqui. Tiago Freire
3. Only the Strong Survive
Bruce Springsteen
Numa carreira tão longa, Bruce Springsteen raramente cedeu à tentação de fazer versões de músicas de outros. Agora, aos 73 anos e continuando tão ativo como sempre, atirou-se de cabeça a um projeto que namorava há muito: um disco de covers de clássicos de soul e R&B da sua juventude. Nos anos 60 e 70, os sons da Stax e da Motown dominavam a música negra, ajudando a escrever das páginas mais marcantes da cultura americana. E é aí que o Boss vai pescar. Em vez de fazer uma espécie de best of do género, escolheu uma mistura de temas, privilegiando aqueles que ouvia em jovem (e a dificuldade, diz, foi reduzir a lista para caber num só disco). Only the Strong Survive não soa a um disco de Springsteen, mas está lá a sua voz inconfundível num registo inesperado. E que acaba por funcionar graças ao genuíno prazer com que se entrega a estas músicas. Tiago Freire
4. 12
Ryuichi Sakamoto
Apesar do tom etéreo de todas as 12 faixas deste disco, que pode deixar-nos a flutuar durante uma hora, não entramos aquide ânimo leve. Há uma ligação óbvia com o álbum anterior de Ryuichi Sakamoto, Async, de 2017, composto na sequência do diagnóstico e da superação de um cancro na garganta. 12 é como uma continuação, com a mesma identidade minimal, aqui apenas feita dos sons de piano, de sintetizadores e da bem audível respiração do músico em várias faixas. Mas o contexto é agora muito mais grave. Em meados do ano passado, Sakamoto anunciou que tinha um cancro no cólon em estádio muito avançado, o que faz destes acordes, necessariamente, uma vista sobre a finitude, o que pode restar quando tudo acaba, vida e morte. Uma belíssima despedida, sem palavras – nem sequer nos títulos das músicas, que correspondem ao dia de gravação: de 20210310 até 20220404, numa pungente contagem decrescente. Pedro Dias de Almeida