1. The Car
Arctic Monkeys

A fatiota retro e blasé que Alex Turner decidiu envergar para dar forma ao anterior disco dos Arctic Monkeys, Tranquility Base Hotel & Casino, de 2018, serve-lhe melhor agora, quando a banda de Sheffield lança The Car. O caminho é o mesmo, mas mais seguro e inspirado: orquestrações imponentes, trabalhadas com tempo, e quase sempre a tenderem para a nostalgia, a milhas da sonoridade direta e elétrica que fez explodir, em 2005, estes rapazes na cena rock britânica. Não haverá muitos casos de uma banda que tenha mudado tanto de identidade musical numa guinada. Há, pois, uns Arctic Monkeys pré e pós-2018. No concerto que este ano deram no festival MEO Kalorama houve uma síntese das duas facetas, mas privilegiando a energia dos primeiros discos, mais compatível com grandes palcos e multidões. Agora, no novo registo, Alex Turner volta a querer parecer mais velho do que é (nasceu em 1986), apostando tudo no imaginário crooner, uma espécie de Gainsbourg já muito vivido mas ainda não decadente… A verdade é que em The Car revela-se bem a sua mestria como escritor de canções, misturando ironia, lirismo, quotidiano e referências da cultura popular. Longe dos hits para pistas, com cheiro a fumo e suor, este novo álbum é perfeito para banda sonora de dias chuvosos. Afinal, quem é, hoje, Alex Turner? A resposta está, provavelmente, no título do primeiro disco dos Arctic Monkeys: Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not (algo como “o que disserem que eu sou, é o que eu não sou”).
2. Spell 31
Ibeyi

As irmãs gémeas Lisa-Kaindé e Naomi nasceram, em 1994, em Paris. Juntas, lançaram, em 2015, o aclamado álbum Ibeyi (nome que é também o do projeto musical que criaram, e significa “gémeas” na língua yoruba). O seu pai era o percussionista cubano Anga Díaz (que fez parte do fenómeno Buena Vista Social Club). A música das Ibeyi tem um pé nessas raízes e outro bem assente nas mais recentes tendências da música popular. Spell 31 (o seu terceiro disco) volta a ser prova disso, com uma sonoridade elegante, feita tanto de R’n’B e nu soul como de uma eletrónica subtil e aproximações ao universo do hip-hop (em Rise Above, versão do tema punk dos Black Flag, onde recordam a morte de George Floyd, colaboram mesmo com o rapper Berwyn). A língua inglesa é preponderante na música das Ibeyi, mas a última faixa, Los Muertos, em que recitam, inspiradas nas tradições da santería cubana, nomes de familiares e figuras queridas desaparecidas (Prince incluído), não deixa dúvidas: a memória é, aqui, fundamental.
3. And in the Darkness, Hearts Aglow
Weyes Blood

Apesar de, em 2019, já contar com três discos no currículo, foi só nesse ano, com Titanic Rising, que Weyes Blood ‒ alter-ego da cantora-compositora norte-americana Natalie Mering ‒ furou a rede, emergindo das águas profundas do oceano indie, com um trabalho de consagração em que a escuridão apocalítica das letras era iluminada por uma pop barroca com reminiscências de Joni Mitchell ou The Carpenters, adocicando a anunciada catástrofe climática que serviu de mote ao álbum. A mesma técnica que volta a usar neste And in the Darkness, Hearts Aglow, segundo volume de uma trilogia dedicada ao desespero de um mundo cada vez mais disfuncional. A sua resposta para isso só pode ser o amor, aqui cantado nas suas diversas formas, num conjunto de canções, embaladas por grandiosos arranjos orquestrais, nas quais sobressai a calma de quem sabe que está no fundo do poço e tem de encontrar a saída, começando por acender apenas uma pequena luz.
4. Trust
SOHN

Foi longa a espera pelo terceiro álbum de SOHN, de seu verdadeiro nome Christopher Taylor, que em 2014 surpreendeu a crítica com a soul eletrónica do álbum de estreia Tremors, ao qual se seguiu, em 2017, Rennen. Passados cinco anos, muito mudou na vida deste cantor, compositor e produtor britânico que, após ter vivido em Viena e em Los Angeles, acabou por se estabelecer num pequeno povoado da Catalunha, com vista para os Pirenéus, onde vive com a mulher e os três filhos. Todas essas mudanças pessoais alteraram o rumo do artista, que deitou para o lixo um terceiro álbum pronto, para começar tudo de novo. O resultado é este disco, feito a partir de “um conceito de família e comunidade”, o primeiro com a colaboração de outros músicos, para ajudar a tornar mais orgânicas as sempre belas canções de SOHN, que nunca antes soaram tão reais.