1. Philip Roth – A Biografia, de Blake Bailey
Na primavera de 2012, quando foi entrevistado por Philip Roth (1933-2018) como candidato a biógrafo, Blake Bailey deparou-se com o “maestro autoritário” a exigir-lhe que explicasse por que razão “um gentio do Oklahoma havia de escrever a sua biografia”. A pose do grande escritor americano judeu desmanchou-se perante a benevolente e cúmplice reação do visitante ao álbum de fotografias dedicado às muitas namoradas do autor de grandes romances como Pastoral Americana e A Mancha Humana – “um objeto que atestava a única paixão que alguma vez nele rivalizou com a escrita”, declara enfaticamente o biógrafo. Apresentado como o relato definitivo, Philip Roth – A Biografia varre vigorosamente a obra (31 livros, dedicação voraz) e a vida do colosso literário (os affairs, o sexo, os casamentos desastrosos, o narcisismo, as guerras com judeus, feministas, rivais, amigos). É uma leitura compulsiva, mesmo nos momentos em que irritação e indignação suplantam a admiração. O biógrafo, dizem alguns, assumiu demasiado as razões do biografado – e, diga-se, criou um escândalo em nome próprio, ao ser acusado de más condutas sexuais. Dom Quixote > 1168 págs. > €33
2. Livro de Receitas dos Lugares Imaginários, de Alberto Manguel
Este é o livro mais delicioso deste Natal. Amante da invenção na cozinha, e da literatura onde a comida faz-se personagem, o argentino perscrutou a biblioteca e criou (e ilustrou) um receituário que pode ser degustado à mesa. Livro de Receitas dos Lugares Imaginários tem sopa dos amantes-demónio (com espargos e malagueta), inspirada na Xanadu descrita por Samuel Coleridge; pedaços de imortalidade (levam muesli e ovos), oriundos da Cidade dos Imortais de Jorge Luis Borges; dedos de feiticeiro (com massa folhada fresca, salsichas e coentros) como os servidos em Hogwarts, e ensopado de tartaruga do tempo perdido (feito com pato…), encontrado na região colombiana imaginada por Gabriel García Márquez. O prefácio, diga-se, é também guloso… Tinta da China > 176 págs. > €21,90
3. Palavras São Imagens São Palavras, de Sérgio Godinho
O cantor fez-se acompanhar de máquina fotográfica e Bic na mão, produzindo este volume híbrido de 36 poemas e fotografias. Poderia dizer-se que é uma espécie de diário atmosférico, que obedece mais ao acaso do que ao calendário, mas Palavras São Imagens São Palavras é essencialmente uma viagem emocional que inclui as estepes da Patagónia, as cidades e os carris, os lençóis amachucados, o rosto do pianista Bernardo Sassetti, os acidentes, as linhas da mão. E versos como este incluído em Comboio: “Se disser que amo a humanidade / ela não vai entender. / Amo-te. / Não me deves nada. / Comércio justo, portanto.” Quetzal > 120 págs. > €16,60
4. Sapiens – Os Pilares da Civilização, de Yuval Noah Harari
Segundo volume da novela gráfica dedicada ao bestseller do pensador superstar sobre a história das ideias e das sociedades humanas, Sapiens – Os Pilares da Civilização mantém a mesma graça e agilidade gráficas. Com a ajuda da Professora Saraswati e do super-herói Doutore Ficção, e com aparições da Justiça Cega, Confúcio, um diabo elisabetano, jornais inventados e até uma alusão à Covid-19, é o próprio Harari-personagem que nos guia, agora, pela História da Revolução Agrícola e da industrialização da comida, o que não evitou a fome, especulação, desigualdades sociais e de género. Um presente sábio e divertido. Elsinore > 256 págs. > €29,99
5. Prosa, de Sophia de Mello Breyner Andresen
Seguindo a feliz edição de Obra Poética (2015), reencontramos a voz luminosa, límpida e ‘grega’ da poeta desaparecida em 2004 num volume de respeito: Prosa contem a sua integral produção extrapoema, com critérios de fixação de texto atualizados e indícios dos lugares que a faziam feliz. Com organização e prefácio do académico Carlos Mendes de Sousa e um posfácio da poeta (e filha de Sophia) Maria Andresen de Sousa Tavares, este tomo cuidado inclui os maravilhosos clássicos infantis (nascidos, contaria Sophia, das narrativas por si inventadas para os filhos) como A Fada Oriana, A Árvore, ou O Cavaleiro da Dinamarca. Mas também os seus Contos Exemplares e Histórias da Terra e do Mar, assim como os ensaios de O Nu na Antiguidade Clássica. Inclui ainda o conto Os Ciganos, agora com os trechos inéditos do manuscrito encontrado no espólio da autora (publicado em 2012 com continuação assinada pelo neto jornalista Pedro Sousa Tavares). E esta prosa colocada ao lado da poesia, diz o prefaciador, origina novas pontes comunicantes. Abra-se a primeira página…Assírio & Alvim > 512 págs. > €38
6. Leica Years, de Alfredo Cunha
Esta edição especial limitada e numerada traz ainda uma fotografia assinada por Alfredo Cunha, fotógrafo com currículo de cinco décadas no fotojornalismo, e empenhada testemunha da História contemporânea. No seu portefólio, registado num preto-e-branco irrepreensível, está o Portugal profundo das aldeias, das procissões, dos pastores e das mulheres de xaile negro; mas também o País da revolução de Abril, a África feliz ou trágica, o Médio Oriente em convulsão, as mulheres e crianças. Leica Years é uma seleção antológica, com muitas fotografias reconhecíveis deste património visual, que é também homenagem às suas fiéis companheiras: as câmaras Leica. Tinta da China > 176 págs. > €180
7. 1000 Anos de Alegrias e Tristezas, de Ai Wei Wei
Esta biografia não é um somatório de glórias artísticas: 1000 Anos de Alegrias e Tristezas desfia as memórias de Ai Wei Wei filtradas pela consciência de que o seu ativismo se transformou na sua obra. O artista usa voz lúcida para abordar, aqui, a condenação do pai, o poeta Ai Qing caído no desfavor de Mao Tsé-Tung, a trabalhos forçados na remota “Pequena Sibéria”, onde a família viveu na miséria numa gruta no chão – uma tragédia que é o coração narrativo do livro. Há outras páginas impressionantes: as dedicadas ao filho, à vida como estudante de arte nos EUA, à sua prisão num cubículo sempre vigiado por guardas que lhe confidenciavam desgostos… Prh > 432 págs. > €26,60
8. Lisboa Clichê, de Daniel Blaufuks
“Quem nunca fez uma direta a deambular por Lisboa que levante a mão e se redima fazendo uma em breve”, lê-se no texto arrumado ao lado da imagem do antigo cinema Roxy, na Avenida Almirante Reis. É uma das muitas fotografias a preto-e-branco que induzem à melancolia pelas memórias, juventude e amigos passados, neste Lisboa Clichê, álbum de bolso, que fixa uma viagem sentimental aos arquivos do fotógrafo, documentando uma cidade que já quase não existe, na fronteira dos anos 1980 para os 1990. Histórias e amores pessoais, instantâneos de uma capital pré-gentrificação, retratos de gente como o poeta Al Berto, Sérgio Godinho, Bruno Ganz, Jorge Colombo, e vários autorretratos, numa belíssima elegia. Tinta da China > 400 págs. > €21,90
9. Renegados, Nascidos nos EUA, de Barack Obama e Bruce Springsteen
Tudo começou com o popular podcast criado pelo ex-Presidente dos EUA e pelo veterano do rock, alimentado por conversas francas sobre escolhas pessoais e o que significa ser norte-americano. E agora continua no voyeurismo benigno de Renegados, Nascidos nos EUA, álbum de capa dura que vai deliciar admiradores: por entre as conversas desassombradas, confessionais ou divertidas, há fotografias íntimas, letras de músicas de Springsteen, discursos anotados por Obama, iconografia made in USA… Sonhos, mitos e música? Sim, mas também ética, política, amores e lições de condução ao volante do famoso Corvette de Bruce. Objectiva > 521 págs. > €31,90
10. Viagem a Portugal, de José Saramago
Reencontrar velhos amigos é sempre um bom plano para dezembro. Aproveitando as comemorações dos 100 anos do nascimento do Nobel português, há reedições de livros seus a pedirem um laço vermelho. A começar pelo monumental Viagem a Portugal, o registo sentido de Saramago, que calcorreou o País entre outubro de 1979 e julho de 1980 – uma encomenda do Círculo de Leitores que lhe permitiu dedicar-se à literatura. Fiel ao seu temperamento, o escritor transformou a viagem num périplo filosófico, elogiador da cultura, História e histórias portuguesas; um “novo modo de olhar e um novo modo de sentir”, declarou, em que usou narrativa, crónica, memórias – todo um mapa de um território hoje perdido, prefaciado por Claudio Magris e pontuado por fotografias de Duarte Belo. Mas há outras prendas possíveis: os romances A Jangada de Pedra, A Viagem do Elefante, As Intermitências da Morte, Ensaio sobre a Cegueira, Levantado do Chão, Memorial do Convento, O Ano da Morte de Ricardo Reis e O Evangelho segundo Jesus Cristo têm capas novas, criadas pelo espanhol Manuel Estrada. Porto Editora > 768 págs. > €40
11. Poemas, de António Franco Alexandre
Uma boa maneira de celebrar o Natal? Partilhar estes versos inaugurais do poema Tundra e ver até onde estes nos transportam: “O trabalho dos dias terminado / deixados os trenós na névoa branca / repousa a criação connosco dentro.” Poemas marca o regresso de António Franco Alexandre, após duas décadas de autoexílio literário. O discreto e extraordinário poeta, alinhavador de versos elegantes e claros, faz aqui uma revisitação da reunião poética que fora publicada em 1996, acrescentando-lhe os importantes escritos posteriores – Quatro Caprichos, Uma fábula, Aniversário, Duende, Aracne – e ainda o conjunto de inéditos de Carrocel. Um legado poético imprescindível em qualquer estante. Assírio & Alvim > 616 págs. > €33
12. Anos de Chumbo e Outros Contos, de Chico Buarque
Palavras sem necessidade de açúcares decorativos, fluidez de rio a correr pela página, ironia a fazer-se presente em situação desesperada? As oito histórias de Anos de Chumbo e Outros Contos exibem os amplos músculos narrativos do cantor e compositor Chico Buarque, e arrumam a sua visão pessimista sobre o Brasil atual. Estes relatos destilam simultaneamente uma claustrofobia de pântano e um humor negro como único escape. O livro abre com a voz da jovem prostituída pelos pais no conto Meu Tio, passeia-se pelas ruas de Copacabana e pelos círculos literários, e fecha com uma sátira corrosiva aos militares no tempo da ditadura. As entrelinhas são muitas… Companhia das Letras > 192 págs. > €14,90
13. Tintin no País dos Sovietes, de Hergé
Quase a cumprir o centenário, este primeiro livro do autor belga dedicado ao repórter intrépido e ao seu fiel Milu foi considerado por Hergé como um erro de juventude. Mas a aventura, criada em 1929, conhece agora novo fôlego com o lançamento desta inédita edição a cores. Tintin no País dos Sovietes foi originalmente desenhada a preto e branco, e é a única história a que o autor belga nunca regressou para a colorir: os azuis, vermelhos e cinzas que vestem agora os desenhos naive, ainda distantes do detalhe formal posterior, são fruto da investigação do colorista Michel Bareau e oferecem dinamismo e impacto cómico às pranchas. A visão sobre o totalitarismo soviético, essa, mantém o registo anedótico dos bombistas e comedores de criancinhas… Asa > 138 págs. > €17,50
14. Gloria in Excelsis – As Mais Belas Histórias Portuguesas de Natal, escolhidas por Vasco Graça Moura
Há belas superstições, como esta: os livros especiais regressam às nossas mãos nos momentos certos. Este dezembro agridoce é uma boa altura para (re)ler Gloria in Excelsis – As Mais Belas Histórias Portuguesas de Natal. No abundante “cancioneiro de Natal” lusitano, Vasco Graça Moura (1942-2014) escolheu 43 relatos escritos nos séculos XIV e XX: desde histórias com sentido teológico, em que se substitui por vezes o Calvário cristão pelo sofrimento humano, até narrativas fundadas no presépio ou na “exaltação dos mais humildes” – um “Natal de sociólogos conscientes do empobrecimento de uma sociedade que “faz” por “ter visto fazer”, assinalava Nemésio a propósito de Ramalho Ortigão e Eça de Queirós. Mas há ainda exercícios laicos, contos irónicos, parábolas, e contos sobre a “subtipologia” dos Reis Magos. O elenco de escritores é amplo, incluindo Fialho de Almeida, Torga, Graça de Pina Morais, Saramago ou Agualusa. Graça Moura destaca quatro “obras-primas”: O Suave Milagre de Eça, A Noite que Fora de Natal de Jorge de Sena, Três Reis do Oriente de Sophia, e Exercícios de Auto-apoucamento de Alexandre O’Neill. Quetzal > 480 págs. > €17,70
15. O Mais Belo Fim do Mundo, de José Eduardo Agualusa
Fazendo uso da vocação para a vagabundagem do espírito e para misturar real e ficção, o escritor compilou aqui mais de 150 textos, entre contos e crónicas, publicados na VISÃO e no jornal O Globo entre 2008 e 2021. O Mais Belo Fim do Mundo pede disponibilidade para se perder as horas, adiar o destino, assumir um despardalamento (citando um personagem que ambiciona “ter mato” dentro de si). Agualusa conta-nos histórias sobre lagartixas sorridentes e restaurantes chamados Última Ceia situados à beira de um cemitério, faz confissões familiares, critica os poderes, naquela sua prosa generosa que merece um lugar sob o pinheiro. Quetzal > 440 págs. > €18,80
16. Crimes de Inverno, de Agatha Christie
Um bom policial pode ser uma companhia tão reconfortante, e tão viciante, quanto o chocolate quente num serão frio. Crimes de Inverno é uma coletânea de 13 contos da denominada rainha do crime, publicados em várias revistas, entre 1923 e 1954, tendo como cenários quer a época de Natal, e os jantares familiares em casas senhoriais, quer ainda as anónimas estações de comboio ou as aldeiazinhas narcóticas. Fiéis aos métodos narrativos de Agatha Christie, estas histórias contam com um ou outro envenenamento, uma ou outra prenda fatal, um pudim suspeito, um segredo culposo… Para resolver estes casos mais intrincados, comparece a melhor equipa criada pela autora britânica: Hercule Poirot, Miss Marple, e o casal de detetives Tommy e Tuppence. Asa > 256 págs. > €15,90
17. Teatro Completo, de Samuel Beckett
A “máquina demolidora” que reinventou a linguagem dramatúrgica, abandonando as pesadas convenções dominantes e investindo no credo de que menos é mais na economia narrativa teatral, apresenta-se, pela primeira vez, numa edição integral em língua portuguesa. Teatro Completo reúne 31 peças de Samuel Beckett, incluindo as obras escritas para rádio e televisão pelo irlandês intranquilo nascido em 1906 e desaparecido em 1989. Há devoção e cuidados neste livro, que conta com traduções de luxo levadas amorosamente a cabo por poetas, encenadores e dramaturgos de primeira água, como Luís Miguel Cintra, Jorge Silva Melo, Miguel Esteves Cardoso, Margarida Vale de Gato, Francisco Frazão, José Maria Vieira Mendes, Rui Lage, Vasco Gato e Pedro Marques. Edições 70 > 476 págs. > €27,90
18. 50 Motos Portuguesas que Não Esquecemos, de Pedro Pinto
Não há som de motores ruidosos a ferir os ouvidos nem coluninhas de fumo a escapar por entre as páginas, mas o entusiasmo está lá. Motos Portuguesas Que Não Esquecemos oferece fotografias e histórias detalhadas de cada modelo de mota, imagens de competições icónicas de velocidade ou de motocross, posters e curiosidades gráficas, recordando uma “indústria formidável” a girar sobre duas rodas. “Haveria melhor maneira de conquistar uma rapariga, na escola ou no liceu, do que convidá-la para dar um passeio de 50 cc? Quantos namoros se iniciaram graças à SIS-Sachs, à EFS, à Famel, à Pachancho, à Vilar, à Forvel, à Macal, à Perfecta, à Confersil ou à Casal!” Pergunte na consoada… Quetzal > 200 págs. > €24,90