“Viver para contar” não foi a máxima seguida pelo realizador Sergio Cabrera. “Não era uma vida qualquer, há que dizê-lo”, anuncia-se. Olhar para Trás é a sua história e a da sua família, uma catarse das feridas escondidas: o pai, Fausto, ator famoso e intransigente, que os arrastará para a Pequim maoista em que os burgueses e os estrangeiros são “demónios”; a mãe, a culta Luz Elena, que acompanhou as convicções do patriarca, deixando os dois filhos adolescentes sozinhos na China, porque era preciso aprenderem a ser bons revolucionários e irem para a guerrilha colombiana; o avô Domingo e o tio Felipe, espanhóis perseguidos pelo regime de Franco; a tia Inés Amelia, precocemente desaparecida, de quem Sergio recebeu uma câmara Kodak Brownie Fiesta; a mulher portuguesa, Sílvia, 26 anos mais nova e de regresso a Lisboa numa crise conjugal por resolver; o realizador Franco Zeffirelli, que despertaria a decisão de Sergio de se tornar realizador; os companheiros de luta armada; os filhos; os filmes…

Tudo isto é espoletado pela morte do pai, quando Cabrera está a caminho de uma homenagem em Barcelona: a visão de Montjuïc desata memórias pendentes. “Apesar de termos feito tanta coisa juntos, na China, na guerrilha, no cinema, na televisão, o conjunto de recordações, por mais que tente adoçá-las, não é positivo”, dirá Sergio. E acrescenta, via WhatsApp: “E, no entanto, sei, e digo isso sempre que posso, que sou um discípulo do meu pai. Jamais poderia ter feito as coisas que fiz se não tivesse crescido no seu mundo.”
O realizador colombiano, hoje com 71 anos, partilhou as memórias extraordinárias com o escritor, seu compatriota, Juan Gabriel Vásquez. O romance feito de matéria verdadeira, arrumado com contenção e sem juízos de valor, é uma grande radiografia dos afetos e dos sonhos ideológicos – um amanhã que não cantou nem se cumpriu.