Segundo Luca Argel, Samba de Guerrilha foi pensado como “uma ópera samba” dividida em três atos, através da qual se conta a História do Brasil. Composto por arrojadas versões de clássicos do samba, que se revelam um “interessante instrumento de pesquisa histórica”, o disco parte da premissa de demonstrar como as velhas questões dos tempos coloniais e dos primeiros anos do Brasil enquanto nação, em especial a escravatura, continuam, ainda hoje, a condicionar a vida de milhões de pessoas, sob a forma de racismo, pobreza e todo o tipo de discriminação social.
O primeiro ato começa ao som de Samba do Operário, tema escrito pelo mítico Cartola em parceria com um português de Alfama, chamado Alfredo, que se estabeleceu no morro da Mangueira em fuga à ditadura de Salazar. As faixas são antecedidas por uma narração que contextualiza histórica e socialmente cada momento – na voz da rapper luso-angolana Telma Tvon. O contraste entre a voz que canta, de um homem branco e brasileiro, e a que conta, de uma mulher negra e africana, é “bastante simbólico”, além de resultar muito bem.
O segundo ato recorda a abolição da escravatura, mas os dois jongos (estilo musical anterior ao samba) que se seguem demonstram como tudo ficou quase igual, ou pior, levando ao êxodo para as grandes cidades, onde a marginalização continuou, como se percebe ao ouvir Direito de Sambar ou Agoniza mas Não Morre. O terceiro ato dá a conhecer João Cândido, marinheiro negro que, em 1910, liderou a Revolta da Chibata, contra os castigos físicos ainda em vigência na armada. O “almirante negro” ficaria imortalizado no samba com o mesmo nome, proibido pela censura, por a patente de almirante não poder ser associada à palavra negro. Mas sem pessoas como ele, nunca se teria escrito Uma História Diferente, samba escolhido para encerrar o disco.