Tudo começou com um email, enviado a Abel Soares da Rosa pelo inglês Mark Lewisohn, que se encontra a preparar uma anunciada “monumental trilogia definitiva” sobre os Beatles. Foi no âmbito dessa investigação que solicitou a ajuda de Abel, autor de vários livros sobre os Fab Four, a respeito de dois recortes de jornais nos quais se lia que o Estado Novo tinha imposto cortes ao primeiro filme dos Beatles, A Hard Day’s Night, de 1964, dando-lhe uma inusitada classificação “para maiores de 17 anos” (sem paralelo no resto da Europa).
O autor recorreu ao seu vasto arquivo, nomeadamente aos programas do Cinema São Jorge, onde Os Quatro Cabeleiras do Após-Calypso (assim era o título em português…) foi exibido, confirmando que algo de estranho aconteceu: houve sucessivos adiamentos da estreia e a classificação passou de “maiores de 17” para “maiores de 12.” Depois, com o auxílio do realizador Manuel Mozos, mergulhou nos arquivos da Torre do Tombo, de onde resgatou “o processo kafkiano” que envolveu o filme, incluindo as trocas de correspondência entre os representantes da distribuidora em Portugal (a Rank) e os serviços de censura. Todos esses documentos estão neste livro e aí se revelam os cortes sugeridos. Exemplos: uma cena com “um decote generoso”, um diálogo absurdo entre o avô de Paul McCartney e Ringo Star, em que se fala de “trair uma viúva americana”, e todas as cenas de “atitudes descompostas e esgares” do público num concerto dos Beatles. O objetivo deste último corte (anulado por ser tecnicamente impossível) era proteger a juventude portuguesa dessa “onda de histeria e de loucura”, numa altura em que teria “tarefas bem mais nobres a desempenhar” (leia-se: a Guerra Colonial).
Só um filme passou incólume: Yellow Submarine. Apesar de ser “o mais controverso e subversivo” do grupo, escapou por se tratar de um desenho animado, o que, para Abel Soares da Rosa revela a “estupidez dos censores”.
Além das histórias da censura aos filmes dos Beatles, em Portugal, este livro recorda que um concerto do grupo inglês terá sido bloqueado pela ditadura de Salazar por se temer “manifestações de massas que agitadores poderiam transformar em manifestações antigoverna-mentais”.