“Arranjei um lugarzinho sentado numa mesa cheia de camponeses; em breve levava aos lábios uma daquelas Masskrugs. Era mais pesada do que um par de halteres de ferro, mas a cerveja loura lá dentro era fresca e maravilhosa, um litro cilíndrico e sombrio de mitologia teutónica. Este fora o combustível que tinha transformado em zepelins os furiosos comedores do andar de cima, levando-os a flutuar para muito mais longe do que seria desejável. Nestes cilindros cor do metal de artilharia havia um HB azul entrelaçado, gravado debaixo de uma coroa bávara, como a marca da fundição nos canhões. Dentro da minha cabeça, as mesas iam-se transformando em baterias onde cada artilheiro se ocupava de uma arma silenciosa e sem coice que, apontada para ele mesmo, disparava ininterruptamente. Fogo à discrição!” Esta é uma de muitas descrições fascinantes desta viagem a pé pela Europa feita entre as guerras mundiais, quando o autor tinha 18 anos.
A passagem à escrita aconteceu décadas depois, já ele criara uma lenda de excêntrico e de militar envolvido no rapto de um oficial de alta patente em Creta com quem recitava odes de Horácio… O britânico Patrick Leigh Fermor (1915-2011) é um grande escritor de literatura de viagens, mas, como sublinha Jan Morris na introdução, “também é memorialista, historiador, conhecedor de arte e arquitetura, poeta, humorista, contador de histórias, cronista social, além de ter algo de místico, sendo um dos aventureiros de Deus”. Artesão literário formidável, evoca o Danúbio, os palácios e as pousadas aldeãs onde se hospedou, pintura, filosofia e grandes personagens, mas também os desastres típicos de viajante (roubo de mochila, passaporte e diário). Um perfeito manual de evasão.