Já não somos pobres, mas desfavorecidos. Deficientes? Isso era dantes: passámos a capacitados de forma diferenciada. Qual velhos! Estamos na melhor idade. São exemplos destes que servem de ponto de partida para uma discussão sobre a evolução forçada da língua. Sobre o Politicamente Correcto não é um livro que satisfaça quem vai à procura de uma resposta simples, até porque o tema não é a preto e branco. Mas dá-nos pistas que nos ajudam a tomar uma posição própria, que até nem tem de ser sempre a do autor – ainda que a voz de Manuel Monteiro seja de notável sanidade num debate cada vez menos são.
Não havendo respostas definitivas, há perguntas que valem por elas. Quando passamos a tratar os cegos por invisuais, estamos a ser respeitosos ou condescendentes? Afinal, escreve, a Federação Nacional de Cegos (dos EUA) considera que o eufemismo denota vergonha: “Conquanto não tenhamos um orgulho especial da nossa cegueira, também não nos envergonhamos disso.” Chamar à velhice “melhor idade” não infantiliza os velhos? Se um desempregado passa a ser “pessoa em situação de desemprego”, para lhe retirar o estigma, não estamos também a desvalorizar o desemprego? O que dizer, então, das ofensas por interposta pessoa? André Silva, do PAN, trocou o “em águas de bacalhau” por “em águas de tremoço”, talvez para não ofender os amigos peixes, não tendo estes a capacidade de se sentirem ofendidos. E as expressões que supostamente denotam racismo? Podemos dizer que a coisa está preta? O governo de Lula da Silva publicou um manual a indicar que era expressão desaconselhada, devido a supostas conotações racistas…
O que pensa Manuel Monteiro? “É convicção do autor deste livro que algumas pessoas extremamente preocupadas com o que possa melindrar os ‘mais fracos’ (…) os vêem como inferiores, como coitadinhos. É ainda sua convicção que muito dificilmente admitirão isso a si próprias.”
![](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2020/03/SobreoPolCorr.jpg)
Sobre o Politicamente Correcto (Objectiva, 235 páginas, €15,50) é uma incursão por mundos novos. Manuel Monteiro, revisor linguístico, é também autor de Por Amor à Língua, que colecionou muitos elogios