
1. O Poço e a Estrada – Biografia de Agustina Bessa-Luís, de Isabel Rio Novo
Esta é uma biografia cativante, a pedir poucas interrupções de leitura e fazendo justiça a uma figura com a grandeza de Agustina Bessa-Luís (1922-2019). Contempla todas as dimensões exigidas ao género: contexto, laços familiares (por vezes conflituosos), lados negros, idiossincrasias, ecos biográficos na obra. E, claro, histórias reais que mais parecem ficção, como essa de Agustina, menina “instruída” da burguesia nortenha, que, aos 22 anos, coloca um anúncio no jornal O Primeiro de Janeiro, solicitando alguém inteligente e culto para correspondência. Conhecerá, assim, o marido e cúmplice que a ajudará a tornar-se a “Agustina”. Contraponto, 504 págs., €19,90

2. Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, de Natália Correia (seleção)
Por estes dias, é difícil ignorar a moda de livros que ambicionam atenção à custa de pseudoprovocações, como a utilização do verbo “f*der” no título. Quem acha isso um ato rebelde é porque se esqueceu de casos literários como o desta Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica. Publicada em 1965, aí se compilou e atualizou versos malcomportados, cheios de malícia e de palavrões de fazer corar, ainda hoje, os mais pudicos. O material explícito – recolhido, escolhido e anotado por Natália Correia – ia desde cancioneiros medievais até versos contemporâneos (vários inéditos) de autores respeitados como António Botto, Mário Cesariny, Luiz Pacheco, David Mourão-Ferreira, Eugénio de Andrade, Herberto Helder e Maria Teresa Horta. Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica (Ponto de Fuga, 560 págs., €24,40) é reeditada seguindo o modelo da edição original (e não de duas anteriores reedições, a última datada de 1999) e inclui as ilustrações de Cruzeiro Seixas.

3. O Escândalo do Século, de Gabriel García Márquez
Nem só da ficcional Macondo e de ditadores sul-americanos vive o legado de Gabriel García Márquez (1927-2014). O primeiro amor de Gabo foi, diz-se, o jornalismo, que o sustentou e que ele caracterizou como “o melhor ofício do mundo”. Praticou-o assumindo, muitas vezes, um formato folhetinesco (próprio da ficção) e a militância política. O Escândalo do Século (D. Quixote, 384 págs., €19,90) reúne 50 textos jornalísticos, feitos entre 1940 e 1980, reveladores de “um escritor de pluma amena nas suas origens, trocista e desenvolto, cujo jornalismo é pouco distinguível da sua ficção”, segundo o prefaciador Jon Lee Anderson. De um suicídio, associado à chuva de peixinhos prateados em Cali, aos roteiros papais, Cuba ou o homicídio em registo de jet set com drogas de Wilma Montesi, tudo é escrita saborosa.

4. Serotonina, de Michel Houellebecq
Depois de, em Submissão, ter colocado um presidente muçulmano no Palácio do Eliseu, em Serotonina (Alfaguara, 280 págs., €19,90), traduzido por Valério Romão, Michel Houellebecq volta a dissecar a paisagem político-social francesa. Prozac milagreiro? Não, Captorix é o remédio antidepressões que alimenta o sétimo romance de Houellebecq: um “pequeno comprimido branco, oral, divisível”, prescrição pequena para o formidável inimigo a superar. A saber: a angústia e os reveses que engoliram a vida de Florent-Claude Labrouste, 46 anos, funcionário do ministério da Agricultura que atravessa lutos – pelas namoradas perdidas ou desperdiçadas (a dinamarquesa Kate da juventude, a atual amante Yuzu que o traiu em orgias peculiares, a complicada Claire, filha de uns Silvas portugueses, cujo reencontro o faz equacionar o homicídio do filho desta, rival amoroso de quatro anos…), pelas cedências profissionais (trabalhou na gigante Monsanto e observa a crise dos pequenos agricultores), pelo envelhecimento (seu e de uma geração “perdida”). Enfim, um “cobarde inconsistente” a enfrentar os efeitos secundários da toma de serotonina – adeus libido.

5. Os Animais [haikus], de Kobayashi Issa
Bashô é o mestre mais reconhecível da poesia clássica japonesa, mas o poeta mais prolífico foi o monge budista laico Kobayashi Issa (1763-1828), autor de cerca de 20 mil haikus, redescoberto no século XX. Os Animais (Assírio & Alvim, 432 págs., €22), bela edição organizada por Joaquim M. Palma, revela dois mil haikus: uma visão mágica, terna e holística sobre rãs, pardais, gatos, libélulas… em três simples linhas de escrita elegante, reconciliadora e, até, humorística. Uma pérola.

6. O Primeiro Homem, de Jacques Ferrandez
Um romancista regressa à Argel natal, desatando memórias de infância: avô severíssima e mãe submissa, a ausência do pai morto na guerra, jogos agridoces na escola, a singularidade da cidade de brancos, azuis e ocres mediterrânicos. Novela gráfica baseada na obra de forte carga autobiográfica de Albert Camus, O Primeiro Homem (Porto Editora, 184 págs., €18,80), tem o traço realista e cinematográfico do mesmo artista que já adaptara O Estrangeiro, em 2014.
