Cafarnaum, hissopadas, argueirices, ventrudo, tasquinhar, cambulhada, perlenga, gaifonas, vezos, ancho, hausto, rifoneiro… A enumeração é longa, mas ilustrativa do léxico variegado a que Mário de Carvalho recorre nos seus romances, nos seus contos, nas 11 histórias curtas deste Burgueses Somos Nós Todos ou Ainda Menos. É uma continuada festa da língua portuguesa, feita de homenagens a antiquíssimos cultores do idioma, escritores de outros tempos, nem sempre assim tão distantes. Um arco-íris também semântico que ganha significado acrescido numa época em que a palavra portuguesa mais usada é… “coisa”. Em Mário de Carvalho nada se generaliza nem se empobrece. A cada coisa o seu verbo, substantivo ou adjetivo – individual e único.
Se esse artesanato linguístico está presente em todos os seus livros (desde a estreia, em 1981, com Contos da Sétima Esfera), se ajusta também na perfeição a estes pequenos enredos de gente comum. À semelhança das recentes recolhas de contos, esta apresenta igualmente um tema. No caso, os dois versos de Mário Cesariny dão título ao conjunto. É o mundo dos bibelôs e de traições, aventuras e sentimentalices; da burguesia de má fama, classe média a ambicionar voos superiores; de homens e mulheres nada remediados, à exceção das coisas do amor e do sentido da vida.
Percorre estes contos, ainda, um olhar cru mas humano, para a idade avançada, da sabedoria e das doenças, da lucidez e dos desencantos familiares. Histórias que também não esquecem certas crises por que o País passou recentemente. Tanto num registo mais elegíaco como noutro mais irónico, estes narradores confrontam o leitor com perplexidades, alarmes, desentendimentos, vinganças e, acima de tudo, vaidades humanas. Se “do pó viemos, ao pó voltaremos”, como diz o versículo, aqui Mário de Carvalho dá-nos também a “pá e a vassoura”, título de um dos seus contos que limpam a nossa passagem pelo mundo.