Um romance de uma mulher, sobre um mundo dominado por mulheres, vencedor de um prémio só para livros de mulheres? Antes que a desconfiança tome conta da leitora ou do leitor, convém dizer que nada é simples em O Poder, inesperado e surpreendente romance futurista da inglesa Naomi Alderman, distinguido em 2017 com o prestigiado Baileys Women’s Prize For Fiction.
Num futuro distante, são as mulheres quem mais ordena. Uma mutação genética, de origem misteriosa, dotou-as de uma arma letal: uma “meada na clavícula” que gera uma fulminante corrente de energia. É neste mundo feminino que um historiador decide perceber como tudo começou, recuando aos anos que antecederam o cataclismo. Através deste artifício literário, O Poder afirma-se, em simultâneo, como romance histórico e futurista. Propõe uma sociedade diferente, mas descreve-a com o tom melancólico da arqueologia. Cobrindo uma década, acompanha-se, ano a ano, a marcha dos acontecimentos: a excitação inicial, a euforia das redes sociais, as religiões messiânicas, a contraofensiva masculina, a intriga internacional, o descontrolo das massas, os abusos de poder, a corrupção, a tentação da bomba atómica…
A melhor ficção científica, tal como o mais estimulante romance histórico, é aquela que fala do presente. E essa é a força deste segundo romance de Naomi Alderman. Ao contrário de Handmaid’s Tale, de Margaret Atwood, O Poder afirma-se pela negativa. Ao propor uma deriva totalitária feminina, a escritora talvez queira que passe pela cabeça do leitor, mais ou menos incauto, a ideia de que, afinal, “elas fariam o mesmo”. Mas o coração deste enredo galvanizante é outro: “O poder não quer saber quem o usa.” O que fará quem o tem hoje?