Este é um relato diferente do previsível, desde logo por não se tratar de um diário de rodagem clássico, preenchido com os pragmatismos de uma rodagem complicada. Tampouco se encontra aqui um diário convencional, com parágrafos minuciosamente preparados para os leitores póstumos. A Conquista do Inútil, escrito com uma letra “reduzida a dimensão microscópica” a que Werner Herzog regressou 24 anos passados da criação original, é um caderno de notas povoado de frases secas, cenas oníricas, implacabilidade, fotogramas instantâneos, situações surreais, dúvidas, descrições inesquecíveis, personagens aventureiros, febres da gripe e do ouro, indígenas em luta, insanidades temporárias, e, sim, viagens − em sentido literal e metafórico. Uma descrição delirante em torno de um projeto delirante, que se tentou cumprir num território inclemente, onde a natureza domina com um abraço luxuriante, perigoso e inquestionável.
As viagens físicas aconteceram entre 1979 e 1981, quando Werner Herzog percorreu várias vezes as terras da Amazónia por causa do megalómano filme Fitzcarraldo: uma película inspirada na vida do barão da borracha Carlos Fermín Fitzcarrald, que desejou arrojar, literalmente, um barco a vapor através da selva. E que o realizador quis cumprir, escrupulosa e realisticamente, assumindo a utopia de carregar um barco verdadeiro para a bruta e primitiva paisagem amazónica (e a voz de Caruso para a ópera de Manaus). Peru, Brasil, Lima, Iquitos, Manaus, rio Cenepa, entre outros lugares, são postais tropicais densos por onde lutam equipa técnica, atores enlouquecidos pelas circunstâncias (o protagonista Jason Robards desistiria a meio, substituído por Klaus Kinski, que, numa cena difícil, troca palavras proféticas com Herzog: “(…) disse-me que, se eu me afundasse, ele se afundaria comigo”) e realizador, todos confrontados com a dimensão homérica do projeto e a capacidade de sobrevivência a este.
A Conquista do Inútil (Tinta da China, 352 págs., €19,90) é o segundo livro de Herzog nesta coleção, depois de Caminhar no Gelo, narrativa de fé sobre uma caminhada de três semanas até Paris, feita pelo realizador para visitar uma amiga à beira da morte, na crença de que tal a ajudaria a sobreviver.