Se é comum escritores sofrerem da angústia do segundo romance, a dificuldade agrava-se quando o primeiro livro vendeu oito milhões de exemplares, em 42 países, e venceu o Booker Prize. Não há muitos autores que tenham passado por esta prova, e talvez isso ajude a explicar porque é que Arundhati Roy demorou 20 anos a regressar à ficção, depois do êxito inesperado de O Deus das Pequenas Coisas, em 1997. Seria ela uma escritora de um romance só?
Anjum é a personagem central de O Ministério da Felicidade Suprema, mas, na verdade, esta não é uma trama de personagem único. Pelo contrário: as figuras e as histórias sucedem-se de forma sôfrega, imparável como a água segue inexorável o seu caminho, exigindo do leitor total dedicação para seguir o seu percurso. Anjum é uma hijra, nome dado aos eunucos e transexuais, que nasceu com os dois sexos e na adolescência sai do seu mundo para ir viver com outras hijras na haveli, A Casa dos Sonhos. Calcula-se que na Índia existam cerca de meio milhão de hijras e não é difícil encontrar nos semáforos de Deli pessoas com corpo e feições de homem vestidas e pintadas de mulher, pedindo dinheiro. Acredita-se que dão sorte. Por isso Anjum é poupada à morte num massacre em Gujarate, onde está de visita.
De regresso a Deli, abandona as outras hijras e a criança que adotara e monta uma barraca por cima de uma campa num cemitério. A casa vai crescendo ao ritmo dos hóspedes que vão chegando, cada quarto por cima de uma campa. As mil e uma facetas de uma Índia moderna dividida pelas castas, pelas religiões, pelas ideias políticas, pelas opções sexuais, vai-se revelando ao longo das mais de 400 páginas.
Os leitores portugueses tiveram acesso a O Ministério da Felicidade Suprema (Asa, 463 págs., €19,90) ao mesmo tempo que os leitores de língua inglesa, o que é pouco frequente.