“Se soubéssemos viver na incerteza, não precisaríamos de histórias.” O adágio, saído da pena de Matias Fluss – narrador parcial desta história –, pode aplicar-se à humanidade desde o início dos tempos. À falta de respostas, restam as perguntas. Quando estas têm finalmente a sua réplica, desdobramo-nos em novas perguntas, e assim sucessivamente (é o que explica Alberto Manguel em Uma História da Curiosidade).
Mas quando as perguntas servem para resgatar factos da memória, encontramos a dor. Assim se podia completar o modo como o protagonista tenta fazer uma catarse espiritual da sua adolescência turbulenta e da grande perda que sofre e que irá mudar tudo – a Cecília do título é a sua irmã, que desaparece de um dia para o outro, deixando um pedaço do vestido, uma sandália e umas gotas de sangue pelo caminho.
Suicídio? Morte? Na verdade, o motivo pode até nem interessar. A pergunta certa que enforma a história que vai servir a Matias para apaziguar esta ausência é “como suportar a perda?”. O rapaz chega à idade adulta – com mulher, profissão e uma vida ilusoriamente estável – e precisa de fazer um reset emocional a que o budismo, abraçado na adolescência por influência de um professor de História, não deu resposta.
Pelo meio deste caldo existencialista que Tordo tenta domesticar, a demência toma o protagonista de assalto. E com ela, sucedem-se mais perdas, a que um trabalho de memória se dedicará, para resgatar a personagem da dor. Terá essa demência sido herdada de um tio, a que Matias consagra uma quase devoção, a única pessoa normal, diz ele, no meio de um mundo sem qualquer ordem? As respostas, lá está, darão origem a ainda mais perguntas, seguindo a lei de Manguel. Deixamo-las para a leitura, para evitar ainda mais spoilers.
O Deslumbre de Cecília Fluss (Companhia das Letras, 336 págs., €16,90) é o capítulo derradeiro de uma trilogia iniciada com O Luto de Elias Gro, seguido de O Paraíso Segundo Lars D., ambos de 2015