Poucos habitantes das mui nobres e sempre gloriosas capitais europeias se podem gabar de poderem abrir um bueiro no meio da rua, em pleno centro da sua cidade, e por lá encontrar uma cidade romana. Nem que fosse só pela possibilidade de a visitar, uma vez por ano, descendo literalmente as escadas para o subsolo num ponto onde se encontram a Rua da Prata e a Rua da Conceição, os lisboetas se poderiam dar por felizes. Mas não. A capital tem muitíssimo mais para mostrar. Os saltos temporais, só naquele local, fazem-se em poucos metros de distância. Na Rua da Conceição ainda resistem – em lenta agonia e praticamente extintas, é verdade – as capelistas do século XX, e assinala-se a casa onde nasceu Mário de Sá-Carneiro.
Como demonstra Luís Ribeiro, jornalista da VISÃO, em Era uma Vez Lisboa, é difícil visitar a urbe cuja lenda da fundação é atribuída a Ulisses – o que a pode fazer mais antiga que Roma – com o espírito low cost dos viajantes do nosso tempo. Luís Almeida Martins confirma-o no prefácio: “A verdade é que vivemos num tempo em que só o efémero parece contar: o restaurante onde se come assim ou assado, a visita a não perder, o tuc-tuc a não falhar, o elétrico 28 a tomar… Falamos de Lisboa e não falamos dela, ou do que dela mais importa, que não é a espuma que se forma ao desabar a onda, mas o mar em si mesmo.”
Ribeiro navegou então por esse mar, e pôde fazê-lo onde melhor se conhece uma cidade, e não é de tuc-tuc: nos arquivos pôde ver vidas, confrontos, tragédias, personalidades, lugares, entre muitos outros aspetos e nuances… E revela-os ao sabor do tempo. Não faltam momentos históricos marcantes, como a romanização da cidade, o massacre dos judeus em 1506, a redenção da cidade ao acolhê-los no tempo da Segunda Guerra Mundial, mas também personagens e locais emblemáticos, que definiriam não só a capital mas também todo o imaginário de um país. E que até se sobrepuseram a ele. Afinal, Lisboa foi fundada muito antes de se sonhar com qualquer coisa que havia de ter por nome Portugal.