Em 2004, o norte-americano Neil LaBute escrevia uma peça teatral cujo título dizia tudo: A Gorda. Note-se que o original em inglês traduzia uma violência que o enredo iria reproduzir, em crescendo – Fat Pig (“gorda porca”, à letra). Há mais de dez anos, a peça foi encenada em Lisboa, e mostrava uma espécie de festival de falta de caráter coletiva, ou seja, como a sociedade atual lida com alguém que tem excesso de peso. Se o mote parece frívolo, é porque o(a) leitor(a) ainda conserva sanidade mental e não anda a contar calorias – quantas consome, quantas perde – a cada segundo que passa. Ou é porque não tem o tal excesso de peso que lhe retira até o nome próprio para passar a ser conhecido(a) como o(a) gordo(a) e com isso passar ao lado de uma vida em sociedade.
A Gorda, de Isabela Figueiredo, é um safanão nestes costumes. A história que a autora tece, talvez de teor autobiográfico, narra a vida de Maria Luísa, uma menina gorda que sofre ao olhar-se ao espelho e cuja vida é um teste permanente à autoestima. Sofre humilhações na escola, desgostos de amor – o clássico boy meets girl corre bem até o namorado começar a mostrar-se envergonhado por ser visto com ela em público –, traições e a perda dos pais. Do primeiro amor, David, guardará uma recordação eterna, entre avanços e recuos na relação, mesmo depois de ele se ter casado. Outro corpo, supõe quem lê, com apreensão, daria outro desfecho a esta união?
Sendo filha única, confinada a um corpo que a isola socialmente, ela é uma parábola da solidão. Mas mantém um discurso de força e de sobrevivência perante o mundo, numa narração na primeira pessoa que reage contra esta forma de injustiça primitiva: “Estou aqui de passagem, é para seguir em frente, sou de ferro e ninguém me dobra”, numa vida de professora que acaba por se normalizar, sem que o passado a abandone.
De Isabela Figueiredo já conhecíamos Caderno de Memórias Coloniais (2009), uma memória da sua infância no Moçambique colonial, onde nasceu, narrada com o mesmo estilo cru e direto que caracteriza esta sua primeira ficção. Dele disse José Gil: “Nenhum livro restitui, melhor do que este, a verdade nua e brutal do colonialismo português em Moçambique”.