
Os Figos São Para Quem Passa
Não há urso que se veja na capa minimalista deste novo livro da Planeta Tangerina – não há sequer referência aos autores. Só encontramos os seus nomes lá dentro, discretos, antes do título: João Gomes de Abreu volta a escrever para a editora (depois de A Ilha, de 2012 ) e Bernardo P. Carvalho é o responsável pelas ilustrações. No entanto, é um urso o protagonista de Os Figos São Para Quem Passa, uma história que, ainda antes de começar, já nos leva para um mundo diferente do nosso, culpa exatamente da capa e da primeira guarda do livro cheia de recortes das personagens e das paisagens que vamos encontrar lá dentro. “No princípio, o mundo era só um. Tudo era de todos, ninguém pertencia a nada, nada pertencia a ninguém.” Naquele lugar, onde os animais iam “simplesmente andando, comendo e dormindo onde calhava”, aparece, então, um urso. Adora figos maduros e quando encontra uma figueira com figos verdes, ao contrário do habitual por aquelas bandas, resolve esperar. Mas quem espera, desespera. Sobretudo quando chega uma raposa e come o figo – por ali, já diz o título, os figos são para quem passa. E depois vêm os melros e comem o outro figo e a seguir apresenta-se uma lagarta. Afinal, a espera do urso vale a pena? E o que é isso da propriedade, o que é isso da defesa do que é nosso, quando tudo é de todos e nada é de ninguém? E porque não partilhar? Uma discussão que é sobretudo a de um mundo melhor do que este em que vivemos, rodeados de palavras complicadas como “dívida”, “juros” e “ratings”, um mundo em que impere a sazonalidade das frutas e não haja sementes patenteadas por empresas. E, sim, um mundo em que as fronteiras do que é meu e teu (seja um figo, seja um país) não fazem sentido – mas isso é conversa de adulto, pois. Que as crianças entendam, para já, as delícias deste livro ilustrado apenas com recortes, em que os animais conseguem viver em harmonia.
Os Figos São Para Quem Passa > de João Gomes de Abreu e Bernardo P. Carvalho > Planeta Tangerina > 48 págs. > €12,90
> Vale a pena procurar também outras duas novidades da editora: Imagem, com texto de Arnaldo Antunes e ilustrações de Yara Kono (40 págs., €12,50), e Mana, de Joana Estrela (32 págs., €12,50)

Baltasar, o Grande
Não é a primeira vez que andamos atrás de um urso num livro da Orfeu Mini, a coleção para os mais novos da Orfeu Negro. Já o tínhamos feito nos maravilhosos A Cantiga do Urso e As Férias do Pequeno Urso, de Benjamin Chaud, e também em Quero o Meu Chapéu, de Jon Klassen. Mas, desta vez, a viagem tem um sabor especial: o da liberdade. Neste Baltasar, o Grande, o primeiro livro para a infância da ilustradora sul-africana Kirsten Sims, conhecemos um simpático urso polar que vive num circo e que é, dizem-nos logo, “o melhor urso violinista do mundo”. O melhor e o único, pois, sonhando com a companhia de uma orquestra. Mas porque o lugar dos animais não é no circo, Baltasar vê-se libertado e parte estrada fora. Leva às costas uma mochila vermelha com o seu violino, não sabe bem para onde ir, mas não pára. Por selvas e savanas, cidades e montanhas – tão bem pintadas a aguarela, guache e tinta-da-china – conhece o mundo, faz novos amigos e sente saudades. “Certos dias, o Baltasar tinha sorte e tudo corria bem. Noutros dias, sentia-se MUITO sozinho e perdido”, lê-se nesta história de um urso que conquista a liberdade e não desiste dela, mesmo que isso por vezes custe (e se custa, sabemos nós). Quem disse que era fácil sair da nossa zona de conforto – mesmo que ela seja uma jaula no circo – e enfrentar o mundo, à procura do nosso lugar?
Baltasar, o Grande > de Kirsten Sims > Orfeu Mini, Orfeu Negro > 40 págs. > €13,50
> Vale a pena procurar também dois livros acabados de editar: Tão, Tão Grande, de Catarina Sobral (40 págs., €13,50) e Cheguei Atrasado à Escola Porque…, de Davide Cali e Benjamin Chaud (44 págs., €12)

O Urso Que Não Era
A capa é vermelha, mas lá dentro é tudo preto e branco, com molduras ou páginas inteiras verde água. A história deste urso, essa, começa a uma terça-feira, quando um bando de gansos voa em direção ao sul e as folhas das árvores começam a cair. Está na hora de entrar numa gruta e hibernar e é isso mesmo que ele faz. E enquanto dorme, vemos nós, cá fora, todo o rebuliço dos homens que decidem ali mesmo em cima construir uma fábrica, gigantesca, cheia de chaminés fumarentas. Quando chega a primavera, o urso não sabe onde está, mas, como se diz no livro, nós sabemos: “mesmo no meio da fábrica”. E ali não podem existir ursos, por isso, não, dizem-lhe, ele não é um urso, é um homem que inventa desculpas para não trabalhar. E o coitado do urso vê-se num absurdo kafkiano, falando com o chefe e depois com o diretor-geral e depois com o terceiro vice-presidente e depois com o segundo vice-presidente e enfim com o primeiro vice-presidente (são tão simples e tão deliciosos estes desenhos, que nos vão demorando nas páginas). “Não só és um homem tonto que precisa de fazer a barba e usa um casaco de peles, como também és muito teimoso”, garantem-lhe. E nem os ursos do jardim zoológico, dentro da jaula, nem os ursos do circo, em malabarismos na arena, hão de acreditar nele. Também ele se convencerá, integrando-se no coletivo como todos os outros. Uma mentira repetida mil vezes transforma-se numa verdade, não dizem que é assim? Será isso mesmo mais forte do que a nossa identidade? A divertida história deste urso foi publicada em 1946, pelo escritor, argumentista e realizador americano Frank Tashlin. Setenta anos depois, é editada por cá, graças à Bruaá, que nos vem lembrar como é importante sermos quem somos – mesmo que todos os outros achem que não devemos ser assim.
O Urso Que Não Era > de Frank Tashlin > Bruaá > 64 págs. > €13,50
> Vale a pena procurar também todos os cães de Cão Pêndio, de Tóssan (72 págs., €9,50), e Amigos do Peito, de Cláudio Thebas e Violeta Lópiz (24 págs., €13,50), distinguido este ano com o Prémio da Ilustrarte – Bienal Internacional de Ilustração para a Infância

Urso Pequeno
A Kalandraka será talvez a editora com mais ursos no seu catálogo e isso deve-se sobretudo ao escritor e ilustrador americano Maurice Sendak, de quem a editora tem os direitos para Portugal. Em novembro do ano passado, chegou às livrarias o quinto e último volume da série Urso Pequeno, escrita por Else Holmelund Minark e ilustrada por Sendak entre finais dos anos 50 e finais dos anos 60 (existe um sexto volume, mais recente, com desenhos de Dorothy Doubleday, que a Kalandraka não editará). Num registo bem clássico, longe das efabulações das histórias de Sendak (como o obrigatório Onde Vivem os Monstros, também por cá com chancela da Kalandraka), estas histórias de uma família de ursos, escritas pela dinamarquesa Else Holmelund Minark, têm um tom de afeto e de ternura, que se reflete nas expressões dos personagens, em desenhos feitos a apenas duas ou três cores e a lembrar as gravuras antigas. Todos os livros estão divididos em quatro capítulos que são quase histórias independentes, só Um Beijo Para Urso Pequeno, mais curto, é apenas um conto – cheio de carinho, de doçura, de amizade e de cumplicidades e também de humor, como aliás todos os outros. São histórias simples e com uma linguagem acessível que acompanham uma infância feliz, com doses certas de ingenuidade e de sonho, e carregadas de amor.
Urso Pequeno, Um Beijo Para Urso Pequeno, Pai Urso Está de Volta, A Visita de Urso Pequeno, Os Amigos de Urso Pequeno > de Else Holmelund Minark e Maurice Sendak > Kalandraka > 64 págs. > €11 (Um Beijo Para Urso Pequeno tem 32 págs. e custa €9)
> Vale a pena procurar também as duas novidades da editora: Sonho Com Asas, de Fátima Afonso e Teresa Martinho Marques (36 págs., €14) e Três com Tango, de Justin Richardson e Peter Parnell (32 págs., €14)
