Conhecemos bem a respiração de longa duração dos romances de Lídia Jorge, narrativas com personagens muitas vezes envolvidas num turbilhão claustrofóbico, refletido numa determinada geografia, que acabam por cruzar epifanias, pontos de fuga, rompimentos de fronteiras. Recorde-se um dos seus livros fundamentais, A Costa dos Murmúrios, em que a exuberância das paisagens moçambicanas acende a catarse de criaturas em rota de colisão, consigo próprias e com a realidade do colonialismo.
O novo livro da escritora trabalha outras escalas: O Amor em Lobito Bay travou a mão capaz de produzir centenas de páginas, arrumou-se como um volume de pequenos contos, que poderiam ser outros tantos capítulos de romances. A concisão da escrita não impede a grande respiração – e a vontade de saber mais sobre estas figuras. A distância, as paisagens fora de casa – que podem ser lugares longínquos ou jardins de “casas desmesuradas” que já não existem (é como canta Sérgio Godinho, “O passado é um país distante”) – são o elemento comum às nove histórias. Uma distância que funciona como uma personagem mais – umas vezes caprichosa, outras vezes nostálgica.
Luanda, New Orleans, o sul de França são alguns dos lugares para onde somos transportados em poucas linhas musicais, líricas, virtuosas, cruza aqui, cruza ali, laçada acolá, à semelhança dos lenços bordados referidos no belíssimo O Templo do Esplendor: conto sobre a memória e o amor, descrito em dois tempos, por Marina Pestana, uma filha devota da mãe de longos cabelos e do pai professor de latim, que, um dia, quase se afoga no pequeno lago do jardim. Ou também no conto-título, viagem por Angola pelos olhos de um rapazinho que sonhava comer o coração de uma andorinha azul para ser “o maior corredor do mundo”, inocência interrompida pela revolução. Pois essa é a outra escala aplicada a muitos destes personagens: a da infância e adolescência, países por direito próprio.
O Amor em Lobito Bay (D. Quixote Editora, 192 págs., €14,90), quarto volume de contos da escritora, reúne nove histórias em geografias sempre diferentes.