Quando Hitler avançou sobre os vizinhos europeus, em outubro de 1941, o austríaco de sangue judeu Stefan Zweig já se tinha refugiado no Brasil. E foi numa cave esquecida de Petropólis que ele encontrou uma velha edição de Ensaios, de Montaigne. Logo no início, o biógrafo assume a defesa da liberdade individual de Montaigne como uma démarche inesperadamente necessária à sua geração, preocupação que ecoa a sua condição de exilado: “Parece-nos normal que o direito a termos a nossa própria vida, os nossos próprios pensamentos e de os expressarmos livremente pela palavra e pela escrita nos pertençam, do mesmo modo que o hálito da nossa boca, que o bater do nosso coração.”
Montaigne (1533-1592) tem um percurso de asceta intelectual, tendo renunciado a cargos e honrarias públicas em favor da reflexão existencial e da escrita. Montaigne (Assírio & Alvim, 96 páginas, €13,30) não escamoteia factos e idiossincrasias biográficas – lê-se, por exemplo, que é alguém que “aprecia a sua posição de grande senhor”, e que guarda sempre consigo uma bolsa de moedas. Mas a graciosidade da pluma zweigiana, a sua deriva filosófica, marcam o texto, transformando-o num passeio por dois pensamentos. Algo que ganha ressonância, quando nos recordamos que esta biografia foi a última escrita por Stefan Zweig, antes do seu suicídio, em 1942.