Quando, em 2016, Astrid Suzano e Fatima Durkee iniciaram uma pesquisa pelas pequenas indústrias, manufaturas e artesãos em Portugal, com o intuito de promover uma residência para artistas estrangeiros que fizesse a ponte entre Lisboa e Nova Iorque, surpreenderam-se com o que encontraram. A residência não avançou, mas o “bichinho” pelas artes e os ofícios tradicionais portugueses levaria as arquitetas de norte a sul do País, as quais acabariam por criar a Passo ao Futuro.
Inicialmente, o objetivo da associação sem fins lucrativos era construir uma base de dados online, uma espécie de ficha técnica de todos os artesãos com fotografias, vídeos e entrevistas que Astrid (portuguesa) e Fatima (norte-americana) iam fazendo no terreno. Mapearam mais de dois mil artesãos, divididos por 11 categorias, como cestaria, cerâmica, metal, madeira, vidro, têxteis, bordados e arquitetura tradicional. Mas rapidamente perceberam que essa plataforma “não iria fazer nada por eles”, conta-nos Astrid Suzano, 42 anos. “Estamos a falar de uma população envelhecida, muitos nem sequer têm telemóvel ou email. Há ofícios e artesãos maravilhosos, tínhamos de perceber o impacto que podíamos ter efetivamente nessas pessoas.”
Inovar para atrair
A solução passaria por atrair as gerações mais jovens, mas para isso era preciso fazer outro trabalho. “Há ofícios que não são valorizados, o que não permite aos jovens ganhar o suficiente para poder viver dessa atividade. Repensámos o projeto e percebemos que o que faltava era inovação. E para podermos inovar estas artes e ofícios, começámos a criar iniciativas em que juntamos designers com artesãos”, recorda a arquiteta durante a inauguração da exposição Diálogos – Design com Fibras Vegetais, na Galeria De La Espada, no Porto, com peças resultantes de um encontro que juntou cinco artesãos e cinco designers.
Ao longo dos últimos anos, foram várias as residências artísticas e escolas de verão organizadas pela Passa ao Futuro que puseram em diálogo o saber-fazer dos artesãos com a criatividade dos designers. Foi o caso da Tasco, em Viana do Alentejo (2021), na qual ilustradores portugueses trabalharam com a família de ceramistas Feliciano Agostinho; da Artes da Natureza Aplicadas (2021), em Loulé, que explorou o artesanato tradicional algarvio através da azulejaria, do cobre, da cortiça, da olaria e da palma; ou da Oficina de Tecelagem (2022), em Mértola. “Quando lá fomos pela primeira vez, em 2017, havia apenas uma artesã, a D. Helena. Começámos o projeto e agora já têm cinco pessoas a trabalhar”, orgulha-se Astrid.
“Mais do que ressuscitar técnicas tradicionais, estamos a tentar valorizá-las e acreditamos que isso funciona através da aliança com o design, porque é uma forma de atrair pessoas mais jovens, fazendo-as entender que podem criar outras coisas que não o tradicional. As pessoas não querem continuar a fazer o cestinho antigo, mas se dominarem a técnica podem produzir um sem-número de coisas”, defende a cofundadora da Passa ao Futuro (Fatima Durkee morreu precocemente em 2022).
Candeeiros de junco e bancos em esparto
A exposição Diálogos – Design com Fibras Vegetais, que pode ser visitada até meados de novembro, reúne vários exemplos do que Astrid fala. Sam Baron trabalhou o junco com a Toino Abel (Alcobaça), transformando esta fibra (normalmente utilizada em cestos ou tapeçaria) em candeeiros de mesa e apliques de parede. Já Henrique Ralheta partiu das tradicionais rodilhas feitas de esparto para criar poltronas e bancos feitos à mão pelo artesão Isidoro Ramos (Loulé).
Joana Astolfi desenhou uma coleção de malas inspiradas na técnica algarvia da empreita de palma, executada pelas artesãs Sónia e Susana Mendez (Loulé). Christian Haas idealizou cestos de cana com pegas, feitos à mão por Domingos Vaz (Odeleite); e Toni Grilo criou uma linha de cadeiras, poltronas e sofás modulares feitos de vime por Abílio Pereira (Barcelos).
“Nas residências, juntamos designers e artesãos com o intuito de inovar os ofícios tradicionais e criar peças contemporâneas. Mas por mais que acreditemos neste modelo, os artesãos têm de estar dispostos a trabalhar com o designer. O importante para nós é que as coleções que são criadas entrem em produção [e em venda]”, explica Astrid Suzano, reconhecendo que ainda há muito a fazer pelo País fora nesta “missão de preservar, promover, inovar, ativar e celebrar o setor artesanal português”.
“Tenho tentado trabalhar com a Olaria Pedrada, em Nisa, mas tem sido difícil porque só há três olarias no ativo e um oleiro interessado em ensinar”, confessa Astrid. Mas a Passa ao Futuro não vai desistir.
Diálogos – Design com Fibras Vegetais > Galeria De La Espada > Travessa de Cedofeita, 42, Porto > até meados de novembro, quinta e sexta, das 11h às 16h, restantes dias por marcação