Somos atraídos pelo Vistas, inserido no Monte Rei Golf & Country Club, perto de Vila Nova de Cacela, porque sabemos que o novo menu abdicou da carne. Ao chefe, essa decisão parece-lhe óbvia: “A única exceção que abro à proximidade é o caviar e algumas especiarias. Estamos a dez minutos do mar, que nos dá muita diversidade de sabores.” Mal sabíamos nós que as mudanças não se ficavam por aqui.
A nova cozinha, muito mais arejada e aberta para o que há de vir a ser a mesa do chefe, impacta quem conhecia a versão anterior. É aqui, junto ao elegante tampo de mármore, que Rui Silvestre, 37 anos, o mais novo chefe português a conquistar uma Estrela Michelin, em 2015, nos recebe, de copo de água fresca na mão, revelando então que este menu, de 16 momentos, é uma feliz mescla do seu background: avó indiana, mãe moçambicana, viagens e uma marcante passagem por França.
A noite está irrepreensível – optamos por ficar debaixo das arcadas, ao ar livre, para este festim que há de demorar mais de duas horas a desfilar pela nossa mesa. José Marta, o escanção que procura pequenos produtores cujos vinhos, abaixo das duas mil garrafas anuais, são difíceis de encontrar, vai casando na perfeição a bebida com a comida. Por exemplo, o espumante Hehn, das Terras de Cister, entre o Douro e o Dão, fica a matar com a ostra que nos servem com molho de manjericão e espuma de algas, mais a amêijoa e o lingueirão, uma trilogia que se arruma num crescendo de sabores a mar.
“Procuro que o prato e o vinho sejam sentidos como uma experiência só”, afirma, acrescentando que se foca nos novos enólogos que não olham apenas para o negócio, mas sim para a preservação das castas do tempo dos nossos avós. Realmente, beber vinho nunca é apenas beber vinho, uma sensação de experiência que há de acompanhar-nos ao longo de toda a noite.
E a mise-en-scène conta muito quando uma refeição também não é apenas uma refeição. Neste campeonato, o novo menu de Rui Silvestre inova-se. Há desafios para captarmos diferentes texturas na versão da salada algarvia com sapateira, muito fumo provocado por manobras de gelo seco, a simular um churrasco, por exemplo, um lagostim que se molha em quatro sabores distintos (doce, amargo, ácido e picante) para no final, ao serem misturados, encontrarmos o umami e o absorvermos num brioche caseiro. A mistura parece-nos uma palete de cores (obtidas do ananás, das endívias, do yusu e da malagueta), durante o processo de pintura de um quadro.
Quando nos servem o caril com arroz, lembramo-nos das palavras do chefe ao evocar a memória da avó indiana. Esta é a receita original da família e avisam-nos para irmos com calma, que pica mesmo. Neste momento, também há pão a vapor na mesa para ser embebido no molho que fica depois de se comer o carabineiro até à cabeça.
Para acompanhar este prato de assinatura, José Marta sugere um vinhas velhas branco da Quinta do Paral, produzido no Alentejo, em 2018, com base na casta Perrum, praticamente extinta e que aporta bastante acidez ao vinho. “Descubro castas novas todos os dias, algumas ainda nem foram registadas”, conta o sommelier, entusiasmado.
Ainda havemos de provar uma não caldeirada – os ingredientes estão todos lá, desde salmonete a mexilhão, berbigão, camarão da costa, batata e tomate, mas são apresentados de maneira completamente diferente – e um polvo com três molhos (ervas finas, azeite e limão, massala), antes de entrarmos no capítulo das pré-sobremesas e sobremesas propriamente ditas.
A passagem do salgado para o doce faz-se através de um gelado de pistácio (palavra mágica) com morangos ralados, sumo e crocante dos mesmos. A partir daqui só um moscatel roxo de Setúbal e uma infusão de menta nos ajudam a digerir tudo o que se passou nesta noite em que a temperatura morna e a gastronomia nunca nos deixaram esquecer que estamos em época alta algarvia – e ainda bem!
Vistas > Monte Rei Golf & Country Club, Sesmarias, Vila Nova de Cacela > T. 281 950 950 > ter-sáb 19h30-22h > menu degustação desde €185 (maridagem €95)