A fila com centenas de pessoas estendia-se pelo recinto dos jardins da belíssima Kenwood House, em Londres. Esta foi, de longe, a sessão mais concorrida do FT Weekend Festival, o encontro anual em que se reúnem alguns dos mais famosos colunistas do Financial Times e oradores de primeira linha convidados. No fim de semana passado, num incomum dia londrino de sol, eram muitos os que estavam na expectativa de ouvir e, sobretudo, provar o que Jancis Robinson tinha para apresentar.
A extraordinária “master of wine”, colunista residente da edição de fim de semana do FT e uma das mais conhecidas e reputadas críticas de vinho do mundo, começou a sua apresentação com um esclarecimento: “Já tinha escolhido falar dos vinhos portugueses este ano muito antes de saber que o Turismo de Portugal seria parceiro do festival. Sou apaixonada pelos vinhos portugueses, que acompanho há muitos anos.”
Com efeito, a predileção de Jancis pelos vinhos nacionais ficava logo clara no título da sessão: “Uma degustação de vinhos desconhecidos, mas excecionais de Portugal.” E, para falar e partilhar consigo o palco, convidou a colega Julia Harding, com quem tem inúmeros projetos, e que compareceu “casada de fresco”: a cerimónia de enlace com a sua companheira tinha acontecido exatamente no dia anterior.
Em cima das mesas, a parafernália das provas e os mais desejados: seis vinhos, seis escolhas improváveis – um verde, dois brancos, três tintos – de seis regiões distintas do País. Os que acompanham o percurso de Jancis sabem que a sua atenção recai, nos últimos tempos, nos vinhos naturais, nas castas locais e antigas, e nos pequenos produtores diferenciados. Ela não se limita a provar – gosta de perceber os locais, o clima, as características do solo e da topografia, as pessoas, o contexto social. “O vinho é geografia líquida”, enquadra. E as escolhas que apresentou aos mais de 200 ingleses presentes mostraram isso mesmo. Mais do que sabores, Jancis aconselha histórias, contos líquidos de verdadeira paixão pelo vinho.
“Aquilo de que mais gosto é que muitos dos produtores portugueses não caíram na tentação de seguir as castas da moda – as cabernet, as chardonnay… Ficaram-se pelo que sabem fazer bem, com as castas locais que dão sabores deliciosos. Há um conjunto de winemakers novos muito bons, cheios de ótimas ideias. E, depois, há turismo e grandes restaurantes a servir vinhos muito bons e bem guardados”, resume.
No final da sessão, instada a deixar um conselho aos produtores portugueses, deixou apenas uma dica: “Não tenham medo de viajar! Saiam mais, apresentem-se mais, contem mais as suas belíssimas histórias, venham falar mais connosco.” Afinal, o produto é magnífico – é só preciso saber vendê-lo.
As escolhas portuguesas de Jancis Robinson
Branco Vulcânico 2021, Azores Wine Company (IG AÇORES)
Vinho orgânico que mistura a casta indígena Arinto-dos–Açores (85%) e Verdelho (15%), cultivadas no terreno rochoso do Pico. Ácido, cítrico e com caráter fortemente vulcânico, que lhe dá um sabor fumado. Preço médio: €17,65
Vinho da Talha 2020, Bojador (Alentejo)
Pedro Ribeiro cultiva vinhas com mais de 70 anos na Vidigueira, misturando, à maneira antiga, as castas Perrum, Roupeiro, Rabo-de-Ovelha e Manteúdo. A produção, na talha até ao dia 11 de novembro, recria técnicas romanas.Preço médio: €57
Rewilding Edition 2020, Altano (Douro)
Vinho de mesa elegante do Douro, uma mistura robusta de Touriga-Franca, Tinta–Roriz e Tinta-Barroca. Os lucros vão para um projeto de reflorestação do Douro Superior. Vendido em garrafa e também em pacote, o que faz sentido para redução de emissões de CO2. Preço médio: €16
Textura da Estrela 2018, Textura (Dão)
A nova geração de bem treinados produtores portugueses mudou a imagem de vinho pouco sofisticado do Dão. As vinhas, de 25 a 60 anos, estão em solos graníticos e são tratadas de forma sustentável, sem herbicidas. Preço médio: €16,90
Poeirinho Baga 2018, Niepoort (Bairrada)
Dirk Niepoort herdou o negócio da família, mas impôs-se como um dos mais enérgicos e cuidadosos embaixadores dos vinhos portugueses. Envelhecido durante 20 meses e engarrafado sem filtro em 2021, vai amadurecer bem, com a janela certa para ser bebido entre 2025 e 2035. Preço médio: €28,59
Cinetica Loureiro Reserva 2020, Cizeron (Vinho Verde)
Uma mistura de três formas diferentes de vinificar a uva Loureiro de vinhas velhas, com mais de 30 anos, no Norte de Portugal. Tanto sabor em tão pouco álcool (12,5%). Frescura de fazer crescer água na boca. Preço médio: €12
Jancis Robinson Descrita pela revista Decanter como “a crítica de vinhos e jornalista mais respeitada do mundo”, é a fundadora e editora-chefe do JancisRobinson.com (um dos recursos mais completos para vinhos de todo o mundo). É crítica de vinhos do Financial Times, editora fundadora do The Oxford Companion to Wine, apresentadora do novo curso online de vinhos da BBC e coautora de The World Atlas of Wine e Wine Grapes. Em 2003, foi consagrada com a Ordem do Império Britânico pela rainha, cuja adega aconselha. Julia Harding é crítica de vinhos e uma das grandes contribuintes para JancisRobinson.com. Coautora do multipremiado livro Wine Grapes, com Jancis e com José Vouillamoz, é editora da quinta edição do The Oxford Companion to Wine, que será publicada em 2023.