O edifício retilíneo desenhado pelo arquiteto Carvalho Araújo, encravado entre os afloramentos graníticos, no alto da encosta coberta de vinhas, é de tal forma impactante que o visitante se esquece do tempo e do lugar onde está. As referências regressam quando começa o rodopio de pratos do novo menu de degustação do Mesa de Lemos, enraizados nos sabores do território do Dão. Uma filosofia que se repete, sustentada pela distinção, em 2019 e 2020, com uma Estrela Michelin – a primeira (e única) da região Centro. “A inspiração vem sempre da Natureza, vemos quais são os dos produtos da época e depois começamos a trabalhar sobre eles… mudamos a carta quando a Natureza nos obriga”, explica Diogo Rocha, 38 anos, o chefe de cozinha do restaurante da Quinta de Lemos, propriedade vinícola em Silgueiros, freguesia do município de Viseu.
Marcado para a noite de São Martinho, o jantar começou com uma oferta bem tradicional de castanha assada e jeropiga, desconstruída pela apresentação inovadora. Uma singela e saborosa antecipação do que aí vinha.
Seguiram-se dois momentos, não incluídos da carta, à volta de dois produtos: a cenoura, reproduzida em pequenos snacks (estaladiço, gelado para barrar no bolo lêvedo, assada com requeijão e gelatina, pickle, sopa e sanduíche); e o mexilhão (alimado, curado, em mousse e num pastel). “De cada vez que faço estes momentos vou complicando mais e apresentando variações menos prováveis”, explica Diogo Rocha.
Ambos foram acompanhados pelo Gégé Rose Espumante, um dos últimos lançamentos da Quinta de Lemos, que carrega o diminutivo de Geraldine, filha do fundador da casa, o empresário Celso de Lemos. Ceramista, foi ela quem criou grande parte dos suportes e pratos deste menu. “Aproveitamos a paragem provocada pela pandemia para fazer novas peças”, conta Diogo. Antes do menu de degustação começar, houve ainda tempo de provar um amuse bouche, a enguia fumada da Figueira da Foz, com um copo de Nélita 2017 Rosé, e o pão de massa mãe feito na casa.
O primeiro prato a constar do menu foi dedicado aos míscaros da região: uma bolacha de boletos e cantarelos com gamba da costa, servida com uma mousse de míscaros com gamba da costa e manjericão. Uma combinação de sabores pouco habitual, mas vencedora. A harmonização foi feita com um tinto D. Santana 2005 (Touriga Nacional, Tinta Roriz e Alfrocheiro são as castas), nome da avó de Celso de Lemos, mais uma homenagem às mulheres da família.
As propostas do mar começaram com as lascas de bacalhau da Islândia, produto pelo qual Diogo Rocha dá a cara, como embaixador. “Vou muitas vezes à Islândia e a formam como trabalham o bacalhau é extraordinária”, conta o chefe de cozinha, que tem acesso a uma seleção de curas. No copo, o tinto Lucita 2109. Seguiu-se o espadarte com salicórnia e molho de maçã bravo-de-esmolfe, uma variedade da Beira Alta, “difícil de trabalhar”, mas de travo distintivo, a combinar com a complexidade do branco D. Paulette 2018. As propostas de peixe terminaram com o robalo (de Peniche) com brócolos, pinhão e lima, sendo o wine pairing feito com o monocasta Alfrocheiro de 2014.
A transição para as carnes é feita com um produto que identifica a região, o cabrito do Caramulo, com pera rocha e romã, acompanhado de um croquete de morcela de arroz. “A acidez da pera e o amargo da romã equilibram o prato”, explica o chefe de cozinha, que também é natural da Beira Alta. O cabrito já tinha sido utilizado noutros menus e aqui se manteve para premiar “a consistência do produto e do produtor”. Bebeu-se Diogo Rocha 2006, o tinto lançado em maio, na reabertura do restaurante, combinação de duas castas (Touriga Nacional e Tinta Roriz), que o chefe de cozinha escolheu de uma seleção de 18 lotes apresentados por Hugo Chaves, o enólogo da casa. Mais um desafio afinado durante a pandemia. “Nem tudo foi mau”.
Saltou-se então para as sobremesas, com o espumante Gégé branco (outro novo lançamento, agora que se aproximam as festas) a combinar com o gelado de requeijão DOP – um produto feito a pedido de Diogo Rocha, pela empresa Nutriva, porque “temos de fazer com que os nossos produtos cheguem mais longe – com bolacha de manteiga e calda de figo, e ainda a queijada de laranja e o sorvete de tangerina, uma explosão de cores e sabores, de citrinos colhidos na Quinta de Lemos.
Para terminar em beleza, um riquíssimo pudim de chocolate 100%, com gelado de avelã de Viseu (mais um produto de excelência da região) e creme de chocolate e café, harmonizado com o D. Georgina 2011, o tinto topo de gama da casa.
No final, tornou-se notória a evolução do catálogo da Quinta de Lemos, proporcionada pelo facto de o restaurante trabalhar apenas com os vinhos da casa. “Nunca foi uma condicionante, pelo contrário, é um desafio e uma mais-valia… quantos restaurantes têm vinhas próprias?”, sublinha Diogo Rocha. Ali estão os vinhedos, do outro lado das grandes vidraças do edifício, carregados de cores outonais, a reforçar a justeza da decisão.
Mesa de Lemos > Passos de Silgueiros, Silgueiros, Viseu > T. 96 115 8503 > qua-qui 20h-24h, sex-sáb 12h-15h, 20h-24h, dom 12h-15h > menu do chef €115 (suplemento de vinhos €40), menu Lemos €90 (suplemento de vinhos €25)