Distraídos, empurramos a porta e esta não abre. É preciso tocar à campainha para que nos recebam neste edifício do século XVIII, onde o tempo não cristalizou. Entramos e subimos a escada até à sala panorâmica. A alcatifa já foi substituída por um piso de madeira e os lustres deram lugar a candeeiros com um toque de modernidade. Na sala, em tons claros de branco e cinza com apontamentos azuis dos azulejos, há diversas mesas colocadas estrategicamente à janela. Assim, ficamos debruçados sobre uma das vistas mais bonitas de Lisboa: a Praça do Município em baixo, com o elétrico a passar na Rua do Arsenal; a Sé de Lisboa, iluminada, como convém; mais a colina do Castelo de S. Jorge. Nos anos 1950, o Tágide foi um restaurante e bar dançante bem cotado na noite lisboeta, onde atuavam artistas nacionais e estrangeiros. Só na década de 1970 passou a ser única e exclusivamente restaurante e desde então mantém-se contemporâneo e atualizado.
Na cozinha, o chefe Guilherme Freire, cujo percurso profissional inclui passagens por restaurantes em Nova Iorque e Barcelona, aposta nos produtos de época, como fazem os melhores. O jantar, a lembrar uma cena romântica de filme, junto à janela, com a vista deslumbrante, começa. O couvert (€4,90) chega à mesa com duas manteigas, uma de ovelha e outra de vaca, ambas cheias de sabor, azeite alentejano de Beja, broa de milho, pão de cereais e pão branco. No copo, o “vinho da casa” banco, uma parceria com a Adega Mãe, de Torres Vedras, uma referência nos vinhos de Lisboa, uma escolha bastante consensual feita com quatro castas: Arinto, Viognier, lvarinho e Viosinho.

Para nos abrir o palato, Guilherme Freire preparou um amuse-bouche rico e colorido pelo salmão curado com pequeninas pérolas pretas de caviar e um shot de abóbora (assada primeiro) e um ovo de codorniz. Primeiro, uma entrada fria, térrea e simples: terrina de porco de sabor forte q.b. e o toque crocante do pistácio, mousse de vinho do porto e pickles de cenoura (€16). Depois, uma entrada quente, do mar e original: carabineiro servido num creme de mariscos e manjericão e couve-flor confitada em lima (€24). De tão delicioso que é, o creme de marisco deveria ser uma sopa independente na carta. Já a couve-flor, nem sempre trabalhada com graça, faz-se notar e gostar.

É-nos servido no copo Muros Antigos, um Alvarinho de 2018, bastante fresco e, ao mesmo tempo, com uma certa complexidade, ideal para o prato de peixe branco que se segue: pampo com puré de topinambur, pimento, tomate e cebola assados (€26), bastante outonal e reconfortante. A carne que aí vem pede um tinto mais estruturado, escolheram um Esporão Reserva 2016. Seguindo a tendência de tantos outros restaurantes da cidade, a escolha da carne recaiu num entrecôte maturado (20 a 25 dias) simplesmente grelhado na chapa, sem qualquer tipo de gordura, com mousse de beterraba e laranja, cogumelos e tutano (€29). Outra boa amostra de boas combinações de outono.

O sorbet de maracujá da pré-sobremesa, a funcionar como tira sabor, antecede a sobremesa que faz lembrar os chocolates After-Eight: fondant de chocolate (70% de cacau), kiwi (fresco e em gel) e gelado de menta (€10). Nesta noite de novembro, despedimo-nos do Tágide, à varanda a beber um porto Tawny 20 anos Quinta do Vallado, com um toque de frutos secos, fumado mas fresco. De copo na mão, brindamos à elegância, bom serviço e sabores distintos.

Tágide > Lg. da Academia Nacional de Belas-Artes, 20, Lisboa > T. 21 340 4010 > seg-sáb 12h30-15h, 19h30-24h > menu Camões (4 pratos) €69, menu Tágide (6 pratos) €89, ambos sem bebidas