“Este é o mapa original da primeira demarcação do Douro, a peça mais emblemática do espólio do museu.” Pedro Silva Reis, presidente da Real Companhia Velha (RCV), conhece bem o documento e as marcas dos anos que este passou dobrado, no escritório da empresa – tal como o alvará régio de D. José I, ali mesmo ao lado, que funda a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, a 10 de setembro de 1756. Estamos no novo centro de visitas da empresa, na zona histórica de Vila Nova de Gaia, com a abertura ao público marcada para dia 30 deste mês. É um regresso ao passado, às antigas instalações da companhia, junto ao cais, paredes-meias com o Convento Corpus Christi, agora com um museu para o século XXI, uma enoteca, loja e vista para o Porto.
Fundada no tempo dos reis, a Real Companhia Velha celebra 262 anos de atividade ininterrupta, de persistência, de longas e agitadas travessias nas águas do rio Douro, para fazer chegar o vinho ao destino que lhe deu o nome. Sem pretender ser uma alternativa “nem uma área museológica das caves”, realça Pedro Silva Reis, o novo 17.56 Museu & Enoteca é “o” museu do Douro, da primeira demarcação vitícola, ligado à História e à região. São três mil metros quadrados, repartidos por dois pisos, nos quais o mundo do vinho, a gastronomia e a História se interligam. Tem no nome o ano da constituição da companhia (o ponto a “quebrar” o ano, 17.56, faz com que seja mais fácil de o memorizar e de dizer), o mesmo da demarcação da primeira região vinícola do País, impulsionada pelo Marquês de Pombal, com o objetivo de organizar o setor do vinho do Porto. À data, a ideia era limitar a influência dos ingleses no comércio do licoroso fortificado.
Além do mapa e do alvará régio – na versão original, intocável, e em duas versões digitais para serem “folheadas” –, encontram-se ainda objetos e documentos do acervo da RCV, entre garrafas históricas, a ação número 1 da empresa e alguns instrumentos agrícolas, muito simples, usados para moldar os socalcos. Pedro Silva Reis mostra ainda o impressionante quadro de D. José I, cedido pelo Museu Hermitage, em São Petersburgo. Seguem-se referências à Revolução de 1974 e às visitas dos reis da Suécia e de Ayrton Senna.
A viagem no tempo ganha dinâmica pela interatividade da exposição, pensada também para as crianças. O bucólico vale do Douro e as origens da demarcação que, atualmente, se estende por 250 mil hectares, também ali estão em imagens de grande formato, que mostram a paisagem de cortar a respiração, o passeio de vistas desafogadas sobre os socalcos.
A Real Companhia Velha detém 550 hectares de vinha, distribuídos por cinco quintas: Quinta das Carvalhas, onde no alto de uma colina está a Casa Redonda, que oferece uma paisagem de 360 graus sobre o Douro; a Quinta do Cidrô, com um belo palácio e jardins envolventes; a Quinta Casal da Granja, situada no planalto de Alijó, no coração da maior mancha da casta Moscatel Galego; a Quinta do Síbio, onde, em 2016, nasceram os primeiros vinhos biológicos, e a Quinta dos Aciprestes, que se estende por mais de dois quilómetros na margem esquerda do rio Douro.
À saída do museu, no piso zero, fica a loja e uma sala de prova para grupos. Quem vem sem marcação, segue para o piso 1, subindo pela escada rolante, que ocupa o centro do moderno edifício, até porque o bilhete para o museu dá direito a prova de vinhos.
Fazer o vinho brilhar
Afirmar o Porto como uma das dez capitais mundiais do vinho, aliado a uma oferta gastronómica diversificada, é o objetivo da enoteca, no primeiro piso, com ampla vista sobre a cidade, seja na varanda ou no interior. “Não somos um restaurante, mas um lugar onde a oferta pretende valorizar a experiência da prova”, frisa Pedro Silva Reis. Ali, além do alargado portefólio da Real Companhia Velha, encontram-se os melhores vinhos nacionais, com todas as regiões representadas na Carta dos Amigos, lado a lado com mais uma centena de grandes referências internacionais. “Tínhamos de ter o melhor que se faz no mundo.” Mesmo assim, garante Pedro Silva Reis, não é um sítio caro, mas pode ser convidativo a gastar dinheiro.
Apesar de o vinho ser rei, na sóbria e elegante enoteca, há diferentes (e tentadoras, acrescente-se) propostas para o acompanhar. Na fromagerie, à entrada, desfila a seleção de meia centena de queijos, para consumir ali mesmo ou levar para casa. Seguem-se opções de cozinha tradicional, pratos de peixe e marisco, além de sanduíches gourmet, uma steak house com carnes maturadas e um rawbar, de inspiração asiática. Há ainda uma zona lounge, uma sala de fumo, o cigar club (para quem aprecia o charuto com um bom vinho do Porto), duas salas privadas de prova (orientadas online por Álvaro Martinho, engenheiro responsável pela viticultura da Quinta das Carvalhas) e um terraço panorâmico, onde apetece ficar a olhar o rio e o casario encavalitado na outra margem, com a companhia de um cálice de Porto e saboreando cada momento, sem pressas, até que o lusco-fusco chegue de mansinho.
17•56 Museu & Enoteca da Real Companhia Velha > Alameda da Rua Serpa Pinto, 44, Vila Nova de Gaia > T. 22 244 8500 > museu: seg-dom 10h30-19h, enoteca: ter-sáb 12h30-24h, dom 12h-19h > €15 (visita e prova)