Quando nos sentámos à mesa do Belvedere, em Cascais, já havia rumores de que a estrela Michelin estava na calha. Aos 31 anos, Andrea Leali é um dos mais promissores cozinheiros dos últimos anos, com vários galardões acumulados e muito boas opiniões a confirmar que a técnica e os bons ingredientes precisam também de uma importante dose de emoções para conquistar consumidores. E estômagos, no caso.
A estrela que esta segunda-feira recebeu em Modena, Itália, era dada como certa pelos especialistas do setor – e nós, que tivemos o privilégio de provar um menu exclusivo, não podemos discordar. Na semana passada, Andrea Leali e a sua equipa estiveram em Portugal a mostrar por que razão já figuram nos mais relevantes guias do setor. Andrea, aliás, foi considerado Chef Emergente de Itália em 2018, para o guia Gambero Rosso e, em 2020, integrou com o irmão Marco Leali – maître e escanção do Casa Leali – a lista de “Melhores 30 talentos com menos de 30 anos de Itália” da mesma publicação.
Andrea é intuitivo, conhecedor e amantes dos ingredientes e dá-nos, sobretudo, pratos que respeitam os sabores de cada elemento sem grandes invenções nem presunções. É na simplicidade da sua cozinha que encontramos segurança, complexidade e verdade.
O soffritto all’italiana bbq (ou refogado italiano para churrasco) foi uma espécie de aperitivo para os sentidos, que nos fez viajar rapidamente para Itália. Os aromas, os sabores e o equilíbrio do prato faziam adivinhar um ótimo percurso pelos vários momentos do jantar. Seguimos para uma piadina di patate , salmerino affumicato e le sue uova (ou piadina de batata, truta fumada e as suas ovas) que manteve as expectativas. A toast di gambero di Cascais (tosta de camarão de Cascais) foi uma explosão de frescura e texturas muito bem integradas, com um sabor intenso a prolongar-se e a intensificar-se com a ajuda dos vinhos servidos durante a noite – muitos portugueses e champanhe.
Passámos para o paccheri, ristretto di pesci, baccalà e limone candito (Paccheri,
molho de peixe, bacalhau e limão cristalizado) que continuou a alegrar-nos o palato e o espírito, mas foi ao risotto al kiwi, pesto e finocchietto selvatico (risoto de kiwi, pesto e funcho selvagem) que nos rendemos primeiro. Um prato invulgar, fresco, com uma acidez surpreendente e que fez o nosso cérebro trabalhar muito para o entender. Até desistirmos desse intento e nos dedicarmos apenas a sentir a leveza e texturas que nos deixava na boca.
E quando achávamos que não podia melhorar, Leali serve um raviolo di manzo affumicato, sugo d’arrosto (ravioli de carne fumada, molho do assado) que era mais do que comida de conforto: era casa. Tudo estava equilibrado, saboroso, elegante….italiano, acima de tudo, com as massas fresca e seca a trazer complexidade e alegria a um prato tão tradicional.
O remate com peperone e peperonata (pimento e peperonata) foi uma surpresa, com os sabores a lembrarem-nos mais carne assada do que aquele vegetal tantas vezes mal-amado. Mais uma vez, sem grandes pretensões, sem grandes invenções, mas com todo o sabor a sobressair a cada garfada.
Para sobremesa, a simplicidade de uma maçã ralada devolveu-nos aqueles sabores de infância, e permitiu a manutenção da memória dos pratos anteriores durante mais um bocadinho de tempo.
Esta não foi a primeira vez do cozinheiro italiano em Portugal, e não deverá ser a última. É certo que a comida vale bem a viagem até Puegnago del Garda, em Brescia – todas as desculpas são ótimas desculpas para voltar a Itália – mas se não o puder fazer, é manter-se atento a um próximo regresso deste jovem cozinheiro. É que numa altura em que se multiplicam em Portugal os restaurantes, os cozinheiros e os esforços para fazer diferente, abusando tantas vezes da excentricidade e da inovação, o regresso a uma cozinha simples e verdadeira é uma espécie de oásis no deserto. Muito necessário e igualmente raro.