Até abril é tempo de bacalhau fresco, de carne firme e cor branca
“Skrei” é uma palavra norueguesa que designa o bacalhau do Ártico que, de janeiro a abril, migra do mar de Barents até às costas do Norte da Noruega, para desovar ao largo das ilhas Lofoten. Percorre cerca de 3 mil quilómetros, a um ritmo de 20 a 40 diários e a alimentar-se menos, razões por que a sua carne é muito firme, quando comparada com a dos seus irmãos mais sedentários, que vagueiam pelas costas do mar do Norte. Findo este período, tem início a pesca do klipfisk, o bacalhau salgado seco que tradicionalmente se consome em Portugal.
A pesca do skrei remonta ao século X, numa tradição que vem do tempo dos vikings.
Tal como então, hoje as embarcações de pesca artesanal enfrentam a dura paisagem, enregelada pelas neves e batida por ventos frios polares. O método usado é o da pesca à linha, uma estratégia da Noruega para preservar os stocks de bacalhau e desenvolver uma atividade piscatória sustentável.
Em Portugal, o skrei estava reservado aos profissionais da restauração, mas este ano está à venda ao consumidor nos mercados municipais de Lisboa (Saldanha e Alvalade), Matosinhos, Peniche, Lourinhã e Setúbal.
Este bacalhau fresco é vendido com ou sem cabeça (só a especial pedido é que chega à banca com cabeça porque, por tradição, esta é-lhe retirada a seguir à captura), mas sempre limpo de vísceras (ovas, línguas e fígado, este último segue para o mercado russo, onde é vendido a peso de ouro) e marcado com etiqueta identificadora na primeira barbatana dorsal. Não há, por isso, que enganar.
Para nos ajudar a perceber que pratos podemos confecionar com o skrei, marcámos encontro com a chef Justa Nobre, junto à banca de Açucena Veloso, no Mercado 31 de Janeiro, no Saldanha, um dos locais de venda e onde muitos dos chefs se vão abastecer.
Encontrámos três belos exemplares do dito, a 10 euros o quilo. Justa Nobre pede para pesar um, enquanto vai explicando o que diferencia este bacalhau daquele que consumimos todo o ano. “O skrei é um peixe muito saboroso e está entre a “prima” pescada e o bacalhau seco salgado. É branco como a pescada, lasca como a pescada e como o bacalhausalgado, mas tem um sabor mais delicado, não tão intenso como o que estamos habituados. E como não existe todo o ano, é bom para variarmos a nossa alimentação”. Na cozinha, podemos dar-lhe a mesma confeção que damos ao bacalhau ou à pescada, mas há que ter em atenção: “Não o devemos deixar passar do ‘ponto’ porque é um peixe delicado.”
Ou seja, as possibilidades são muitas: assado, confitado, cozido, em filetes ou em tranches. Das partes menos generosas (barriga e rabo) podem fazer-se uns crepes, uns rissóis ou um folhado; e a cabeça podemos cozê-la ou assá-la. Pode fazer-se à Braz (porque desfia muito bem) ou um arroz; e da ponta do rabo e das espinhas, uma sopa ou uma canja. “É um peixe que não tem grandes desperdícios e que é acessível em termos de preço”, conclui Justa. “Este que vou levar, vou usá-lo em tranches, confitado, e a acompanhar, cuscos de amêijoas” (ver caixa). Despedimo-nos de Açucena e, do mercado, seguimos para a sua cozinha, no restaurante Spazio Buondi (Av. Sacadura Cabral, 53B T. 21 797 0760), no Campo Pequeno.
O skrei já veio arranjado e Justa Nobre prepara agora as tranches para dar início à receita. Os nossos olhos seguem atentamente todos os passos e, em 30 minutos, o prato está pronto. Uma delícia, podemos assegurar.
Veja como fazer skrtei confitado com cuscos de amêijoas, uma receita da chef Justa Nobre
Os cuscos é um produto de Trás-os-Montes, de Vinhais, feito manualmente a partir da farinha de trigo Barbela. Chegou à Península Ibérica pela mão dos muçulmanos, que o trouxe do Magrebe, onde era alimento importante das tribos berberes. Embora a região de Trás-os-Montes quase não tenha sofrido a sua influência, foi aqui que se refugiaram muitos judeus herdeiros das tradições alimentares andaluzas e magrebinas.
Cuscos, mais sugestões:
É um acompanhamento saboroso e saudável, com bastante rentabilidade. Podem fazer-se simples (num refogado simples), com marisco, moluscos ou crustáceos para acompanhar pratos de pexice; com legumes ou com cogumelos, para acompanhar, por exemplo, um prato de caça. Também há na versão integral. É um produto pouco divulgado, por isso só se encontra à venda em lojas gourmet.