Se conhecia o antigo Palace pode respirar fundo. Ao contrário do que estava previsto, o miolo do edifício teve mesmo de ser deitado abaixo o restauro não era suficiente para garantir os padrões de qualidade pretendidos. Mas se a Unicer (a empresa proprietária dos Parques de Vidago e Pedras Salgadas) não o revelasse, o mais provável era que nem se apercebesse do sucedido. Da planta aos tetos trabalhados, dos pés-direitos altos como o da Sala de Pequenos-Almoços (com a claraboia a ocupar quase todo o teto) ao banco redondo do lóbi, o novo Palace parece, à primeira vista, um decalque do antigo. E os materiais que foram cuidadosamente retirados, restaurados e colocados no lugar original ajudam à ilusão de que nada saiu do sítio.
Com todas as estrelas que podia ter (mais uma do que tinha), o Palace continua a ser um hotel. Mas, a partir de agora, é também um jogo das diferenças. Difícil, por vezes, porque a imagem do que era está apenas gravada na memória de quem o conheceu. Com uma história tão rica, associada aos anos de ouro do termalismo e a um estilo Art Noveau que chegou com a Belle Époque, é impossível que o passado não desperte também o interesse de quem só agora conheça o hotel, à beira do segundo capítulo. Na verdade, para já, é apenas um prólogo: abre em soft opening, a inauguração oficial só ocorrerá a 6 de outubro próximo, quando completar um século.
MÁXIMO REQUINTE
Se é verdade que todos os engenheiros gostam de legos, então o Palace deverá ter sido um aliciante desafio: varandins, lambris, soalho, painéis de azulejos, claraboias e, naturalmente, a monumental escadaria em madeira da entrada a fazer lembrar o Titanic, foram algumas das peças que houve para encaixar no novo edifício. O projeto tem a assinatura do arquiteto Siza Viera, também responsável pela recuperação do Parque e pelo novo spa, com linhas retas e amplas janelas que por vezes acompanham o declive do terreno.
Mas, ainda dentro do hotel, muito do que não é original, imita o que existia. É esse o caso, por exemplo, das pinturas à mão do interminável Salão Nobre, de alguns lambris e tacos de madeira. As cores das paredes, nos espaços comuns, estão diferentes e são difíceis de definir. A maioria é de um azul acinzentado com um efeito que lhes confere o ar natural do tempo que… não têm. Lionel Anidjar, diretor de projeto da G.L.A. Hotels (o grupo hoteleiro francês de luxo a quem a Unicer entregou a exploração do Palace) chama a atenção para elas: “As cores são de uma empresa inglesa que tem uma palete muito própria, a Farrow & Ball”, revela. A escolha dos materiais parece ter sido feita seguindo como critério o máximo requinte. Na ala onde ficam a receção, a sala de fumo com paredes de couro, o bar e a Sala Quatro Estações, o chão do corredor que dantes era de madeira é agora em pastilha de mármore veneziano de diferentes cores. E há papel pintado à mão em algumas paredes.
Os quartos? São maiores do que os antigos (passaram de 82 para 70) e foram decorados, como todo o hotel, pela Bastidor, empresa de interiores e design do Porto. Lionel compara-os, e bem, a quartos de hóspedes de uma casa de campo. Têm o chão em madeira, tapeçarias de Beiriz e um ambiente acolhedor onde apetece ficar. Há uma diversidade de tecidos e padrões conjugados em harmonia, cores que variam de quarto para quarto (nenhum se repete) e parecem reproduzir a policromia do parque ao longo das quatro estações. As casas de banho, com luz natural, não têm nada de antigo, mas imitam as do passado na perfeição: da loiça às torneiras passando pelos padrões dos azulejos do chão. Não falta sequer a prateleira em vidro por cima do lavatório com os ferrinhos nas esquinas. No piso térreo surgiram os quartos-jardim. Siza desenhou-os nas traseiras com um pátio privativo e vista para um jardim com elevações. Ao longo dos quatro andares há quartos superiores, deluxe, privilege, suites juniores e seniores.
VIAGEM NO TEMPO
Mesmo quando as alterações são notórias, a elegância e o glamour dos anos de ouro mantêm-se: “A ideia não era modernizar. Queremos que os clientes, se quiserem, imaginem que estão em 1910”, explica Lionel. Nota que “há um século a arquitetura era específica do nível social, não do país. Marcava um tempo, não uma área geográfica”.
Mas se a arquitetura do Palace poderia estar em qualquer lugar do mundo, a sua história inicial não poderia estar mais ligada a Portugal. Este era o hotel que parecia destinado à República e com o qual a monarquia nunca se haveria de cruzar. Reza a história que a primeira pedra do Palace teria sido colocada por D. Carlos em fevereiro de 1908 não fosse ter ocorrido o Regicídio no primeiro dia desse mês e que D. Manuel II teria inaugurado o hotel, a 6 de outubro de 1910, se a Implantação da República não tivesse acontecido na véspera.
O diretor do golfe, Alexandre Barroso, quer também assinalar a data, organizando a Taça Centenária. O campo projetado em 1936 pelo arquiteto McKenzie Ross foi redesenhado pela dupla inglesa Cameron & Powell e é quase todo plano. Passou de 9 para 18 buracos, mas uma boa parte preserva a envolvência verde que sempre o tornou único: árvores centenárias e vistas grandiosas (do buraco 17 vê-se Vidago e a antiga estação de caminhos-de-ferro). “Vai estar entre os cinco melhores campos de Portugal”, assegura Alexandre, que começou a jogar aqui quando era pequeno e trocava com os pais o Porto pelo Palace no final de agosto. Mostra, entusiasmado, as noras que foram preservadas na parte nova do campo. Revela que a pedra dos tees, todos murados, veio de uma pedreira que foi destruída para alargar o campo. O Club House com a receção do golfe, os balneários, a loja e um agradável bar/restaurante, onde se servirão muitos carboidratos a pensar nos golfistas, ocupa o edifício de 1886 onde se fazia o engarrafamento da água de Vidago. Siza preservou o traçado original. O granito foi lavado, a madeira dos alpendres está cor de tijolo. O interior, equipado com mobiliário desenhado pelo arquiteto, foi todo pintado de branco e realça o verde exterior.
Os cem hectares do Parque, com árvores frondosas, ar puro e a música dos passarinhos a cantar (a que se ouve quando se abre o sítio do Vidago Palace podia ter sido gravada aqui. Só o apito do comboio faz parte do passado…), continuam a transportar para um bosque encantado. A luz recortada pelas copas ilumina o mesmo caminho de terra, as três fontes (foram restauradas e pode voltar-se a beber água), a casinha de bonecas dos balneários públicos e até o lago. Desapareceram os campos de ténis e uma piscina exterior em forma de 8 com uma ponte no meio e uma prancha, que deixou saudades. Pelo menos a avaliar pelos relatos. A Unicer quis que os habitantes de Vidago fossem os primeiros a visitar o Palace. O agrado parece ter sido geral, mas a ausência da piscina foi notada. Aí nasceu o spa, de uma brancura quase absoluta no interior, com grandes placas de mármore no chão e nas paredes. Só nas salas onde os tratamentos são feitos com a água alcalina, mineral, bicarbonatada sódica de Vidago, o mármore foi substituído por grés, que não mancha com a mesma facilidade. Há um fitness center, sala de terapias quentes com uma original fonte de gelo feita de um só bloco de mármore, uma vitality pool com cinco jatos diferentes (fica no exterior, mas é aquecida e pode ser usada todo o ano), uma piscina interior com uma baleia desenhada por Siza. No piso inferior, dez gabinetes multiusos, duas suites para casais e a área de balneoterapia: hidromassagem, duche vichy ou de jato, todos com água de Vidago. Ao lado, fica a nova piscina exterior, onde as semelhanças com a antiga se ficam pelo relvado. Tem as linhas puras que caracterizam o trabalho do arquiteto, contrastantes com as do Palace, sem lhe tirar protagonismo.
O tratamento, em todos os espaços, será o mais personalizado possível. Quanto à restauração, o chef basco Josu Sedano-Martín é o responsável pelos diferentes bares e restaurantes, abertos também a não hóspedes. No Salão Nobre haverá tantos menus quantas estações do ano: “Vamos dar valor aos produtos da região, a vitela barrosã, o presunto de Chaves, o azeite de Vila Flor, tudo apresentado de modo simples mas com serviço requintado.” Na piscina há grill e cocktails sem álcool, no spa refeições ligeiras e granizados de água de Vidago, na Garrafeira, situada no piso térreo, surge um espaço de provas de vinhos nacionais e petiscos.
Tudo aponta para que a tradição das três voltas de carro à taça em frente ao Palace, antes de o hóspede partir, se mantenha: na primeira agradece o tratamento, na segunda despede-se do local, na terceira manifesta o desejo de regressar.
VIDAGO PALACE HOTEL
T. 276 990 920
Horário do Parque (não hóspedes): 8h-18h
Quartos: €130-€930