Esta semana, quase dois milhões de estudantes regressam às aulas. Vão encontrar uma escola muito diferente daquela que conheceram até aqui. Agora, é obrigatório usar máscara a partir do 2.º ciclo, os alunos só deverão contactar com a sua própria turma e até as brincadeiras nos intervalos têm de respeitar o distanciamento físico.
Apesar das regras, poderão as escolas contribuir para o descontrolo da epidemia? O médico de Saúde Pública Bernardo Gomes conversou com a VISÃO Saúde e procurou responder a esta e a outras questões sobre o impacto do regresso às aulas na evolução do número de casos da doença.
O docente da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto não tem dúvidas de que será mais fácil reabrir as escolas em segurança se a restante comunidade também cumprir as regras de prevenção, como o uso de máscara ou o distanciamento físico.
“O que mais me preocupa é o que poderá acontecer fora da escola. Lá dentro, será possível controlar melhor”, compara o médico, que teme a realização de festas em espaços fechados, sem máscara, tal como tem sido relatado noutros países.
Bernardo Gomes também explica o que já se sabe sobre o papel dos mais novos na transmissão da doença. A sua carga viral será semelhante à dos adultos, mas persistem muitas dúvidas sobre o potencial de transmissão das crianças, que poderá ser menos relevante.
Ainda assim, o especialista confessa que, se houver um caso suspeito na creche do filho, não hesitará em afastá-lo temporariamente dos avós, já que a idade é um dos principais fatores de risco no que diz respeito à Covid-19.
“Devemos ter medo do medo”, defende o médico, que apela à tranquilidade na gestão dos casos suspeitos nas escolas.
A aposta em testes rápidos será fundamental para diminuir o tempo necessário para esclarecer uma suspeita de infeção e diminuir a ansiedade da comunidade escolar e das famílias. No entanto, Bernardo Gomes rejeita a utilidade de testar a comunidade escolar com regularidade: “O teste deve ser reservado para situações de suspeita ou para casos em que o resultado tenha impacto na tomada de decisões”.
Além do uso da máscara, o especialista elege a divisão das turmas por coortes como a medida mais importante para travar os surtos nas escolas. “Ao evitar o contacto entre as turmas, é possível gerir o risco e agir de forma direcionada”. Em vez de fechar a escola inteira, por exemplo, pode bastar mandar uma única turma para casa.
Apesar de a máscara ser absolutamente essencial, o médico acredita que será preciso acautelar o cansaço das crianças do seu uso. “Tem de haver períodos em que as crianças descansam da máscara ao ar livre”, defende.
“Temos de pôr um travão na nossa vida social ou estaremos em maus lençóis”, alerta Bernardo Gomes
Já dentro da sala de aulas, todo o cuidado é pouco, já que se trata de um espaço fechado, o que obriga a um controlo apurado dos contactos.
Mas a responsabilidade de conter a epidemia está longe de ser apenas das escolas: “A medida número um para evitar o aumento do número de casos é toda a comunidade cumprir as regras de prevenção para proteger a escola”.
Bernardo Gomes crê que é possível esperar comportamentos responsáveis dos estudantes, “sobretudo dos mais velhos, que estão mais próximo da idade adulta, mas também dos mais novos”.
O especialista em Saúde Pública vê com preocupação o aumento do número de infeções diárias em Portugal. “Se não tivermos um aquecimento do número de internamentos podemos estar tranquilos, mas eles estão a aumentar e temos de ter consciência de que existe um limite da capacidade do SNS”. Tudo se poderá complicar se a população não apostar na prevenção: “Temos de pôr um travão na nossa vida social ou estaremos em maus lençóis”.
Além de abordar a importância de desviar os casos suspeitos das escolas dos hospitais, o médico também destaca o papel da vacina da gripe no alívio do sistema de saúde. “Ao mesmo tempo que diminui os casos de gripe, diminui as suspeitas de Covid-19, uma vez que o quadro clínico é semelhante”.
Aos pais, pede “calma” e, aos filhos, “paciência”. Mas a responsabilidade de dar o exemplo é de todos.
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