Um novo estudo, realizado por investigadores da University College Cork, na Irlanda, concluiu que os confinamentos podem ter ajudado os recém-nascidos a protegerem-se de certos problemas de saúde, como alergias comuns, por exemplo.
De acordo com a equipa, os bebés que nasceram durante os períodos de confinamento desenvolveram alterações nas suas microbiotas intestinais que podem atuar como uma defesa contra determinadas doenças: de facto, os investigadores perceberam que estes bebés apresentam taxas mais baixas de alergias comuns em comparação com os bebés que nasceram antes do surgimento da pandemia de Covid-19
A microbiota intestinal é o conjunto de microrganismos que habita o intestino humano, composta por uma variedade de bactérias, vírus, fungos e outros microorganismos que coexistem no trato gastrointestinal, participando, por exemplo, na regulação do sistema imunológico.
Liam O’Mahony, professor de imunologia na University College Cork e um dos autores principais do estudo, explica, citado pela Sky News, que “embora todos nós comecemos a vida estéreis, as comunidades de micróbios benéficos que habitam o nosso intestino desenvolvem-se ao longo dos primeiros anos de vida”.
A partir deste conhecimento, os investigadores analisaram amostras de fezes de mais de um grupo de 300 bebés nascidos nos primeiros três meses de pandemia. Além disso, estudaram amostras de fezes de outro grupo de bebés nascidos antes disso, comparando as amostras entre os dois: em ambos os grupos, foram recolhidas amostras aos seis, 12 e 24 meses e realizados testes de alergias aos 12 e 24 meses.
A equipa realizou ainda questionários online para obter informações acerca da saúde geral e alimentação, por exemplo, de cada bebé, tendo concluído, depois de análise de todos os dados, que existiam diferenças significativas no desenvolvimento das suas microbiotas.
Publicado na revista Allergy, o estudo também concluiu que apenas cerca de 5% dos bebés que nasceram durante o confinamento tinham desenvolvido uma alergia alimentar durante o primeiro ano de idade; já no grupo dos bebés “pré-pandémicos”, esse valor foi de com 22,8 por cento.
“Este estudo oferece uma nova perspetiva sobre o impacto do isolamento social no início da vida na microbiota intestinal”, afirma, citado pela Sky News, Jonathan Hourihane, pediatra e outro dos autores principais do estudo, acrescentando que “as taxas mais baixas de alergias entre os recém-nascidos durante o confinamento podem realçar o impacto do estilo de vida e dos fatores ambientais, como o uso frequente de antibióticos, no aumento das doenças alérgicas”.
Neste sentido, a equipa descobriu também que 17% dos bebés nascidos durante a pandemia tomaram antibiótico até ao primeiro ano, mas no outro grupo a percentagem era de cerca de 80 por cento. Isto pode ter-se devido ao facto de o primeiro grupo de bebés não ter sido tão exposto a outros humanos; por outro lado, estes bebés conseguiram “acumular” níveis mais elevados de bactérias benéficas, tais como as bifidobactérias, que desempenham papéis importantes na manutenção do equilíbrio microbiano no trato gastrointestinal, sendo umas das bactérias mais abundantes em bebés que estão a ser amamentados.
A equipa pretende voltar a examinar as crianças quando estas tiverem cinco anos, com o objetivo de analisar os possíveis impactos a longo prazo das mudanças registadas nas microbiotas intestinais.
O papel (ainda não totalmente conhecido) da microbiota intestinal no sistema imunológico
A microbiota intestinal desempenha um papel crucial no desenvolvimento e na regulação do sistema imunológico. Sabe-se que durante os primeiros anos de vida, a exposição a uma variedade de microrganismos ajuda a modular a resposta imunológica, treinando o sistema imunológico a distinguir entre substâncias inofensivas e patógenos.
Além disso, pode promover a tolerância imunológica, ajudando o sistema imunológico a evitar respostas exageradas a substâncias inofensivas e é importante na manutenção da integridade da barreira intestinal e na regulação da inflamação, já que disfunções na barreira intestinal podem permitir a entrada de substâncias estranhas e desencadear respostas imunológicas inadequadas, contribuindo para o desenvolvimento de alergias.
Contudo, embora estudos sugiram que um desequilíbrio na microbiota intestinal pode estar associado ao desenvolvimento de alergias, a continuidade da investigação é essencial para se compreenderem vários aspetos acerca deste tema.