Uma investigação recente, realizada por uma equipa do Instituto Holandês de Neurociências, em conjunto com a Universidade Médica de Jichi, no Japão, concluiu que a nossa perceção do que os outros fazem depende mais do que esperamos que aconteça do que antes se pensava.
Os cientistas explicaram anteriormente que observar alguém a realizar uma ação ativa áreas cerebrais semelhantes a quando nós próprios realizamos essa ação. Mas neste estudo, a equipa queria perceber como é que o cérebro processa as ações de outras pessoas em diferentes interações sociais e de que forma as regiões cerebrais comunicam entre si ao longo destas interações.
Para isso, a equipa, em colaboração com a Universidade Médica de Jichi, no Japão, mediu a atividade cerebral de doentes com epilepsia diretamente do seu cérebro, que tinham realizado eletroencefalogramas intracranianos para finalidades médicas.
Estes exames analisam a atividade elétrica cerebral, que é captada através da utilização de eletrodos que não são colocados na superfície do crânio, mas sim por baixo deste.
De acordo com a equipa, a vantagem desta técnica é que é a única que permite medir diretamente a atividade elétrica que o cérebro realiza para funcionar, e em clínica é utilizada como um último passo em pacientes com epilepsia resistente à medicação, já que pode determinar a origem exata desta condição.
“Uma precisão temporal e espacial sem precedentes”
Neste tipo de doentes, é necessário que a equipa médica – e os doentes – aguardem o aparecimento de crises epilépticas nos hospitais para poderem examiná-los. E foi durante esse período que os investigadores conseguiram analisar o funcionamento dos cérebros com “uma precisão temporal e espacial sem precedentes”, lê-se, no site do Instituto Holandês de Neurociências.
Para a realização do estudo, foi pedido aos participantes que assistissem a dois vídeos em que alguém realizava diversas atividades do dia-a-dia, como por exemplo preparar o pequeno-almoço.
Com o objetivo de perceber como é que as diferentes regiões cerebrais comunicam entre si, a equipa mediu a atividade cerebral dos doentes a partir de eletrodos implantados nas regiões cerebrais envolvidas na observação da ação, durante o tempo do vídeo, tendo em conta dois cenários diferentes.
Num deles, o vídeo era mostrado na sua sequência normal e, no outro, as ações visualizadas tinham sido reorganizadas de forma aleatória. Ou seja, nos dois vídeos os participantes viram exatamente as mesmas ações, mas apenas naquele em que elas apareciam na sua sequência natural é que o cérebro conseguia utilizar o seu conhecimento para prever a ação seguinte.
A partir dessa experiência, a equipa conseguiu chegar a uma conclusão interessante: quando os participantes visualizaram a sequência de ações reorganizada e, portanto, imprevisível, o cérebro continha um fluxo de informações vindo de regiões cerebrais visuais, pensadas para descrevem o que o olho vê, até às regiões parietais e pré-motoras, que também controlam as nossas próprias ações, tal como já se previa antes – as regiões do cérebro são ativadas numa ordem específica e ver o que os outros fazem ativa, em primeiro lugar, as regiões visuais do cérebro e, depois, as regiões parietais e pré-motoras que normalmente usamos para realizar ações semelhantes.
Contudo, quando os participantes visualizaram as ações nas sequências naturais, a atividade cerebral “mudou drasticamente, explicam os investigadores. “A informação estava realmente a fluir das regiões pré-motoras, que sabem como nós mesmos preparamos o pequeno-almoço, até ao córtex parietal, e suprimiu a atividade no córtex visual”, esclarece Valeria Gazzola, uma das autoras do estudo. “É como se deixassem de ver com os seus olhos e começassem a ver o que eles próprios teriam feito”, acrescenta.
Isto significa que, quando observamos ações em sequência, os nossos cérebros ignoram cada vez mais o que entra nos olhos e dependem mais de previsões do que deveria acontecer. “O que faríamos a seguir tornar-se-ia o que o nosso cérebro vê”, resume Christian Keysers, autor sénior do estudo.
Os investigadores explicam que estas descobertas, possíveis através da realização de análises “sofisticadas” em colaboração com o Instituto Ernst Strüngmann (ESI), na Alemanha, reforçam a ideia de que o nosso cérebro “não reage simplesmente ao que chega através dos nossos sentidos”.
Pelo contrário, dizem, é “preditivo”, prevendo “permanentemente o que vem a seguir”. “A entrada sensorial esperada é, então, suprimida. Vemos o mundo de dentro para fora, e não de fora para dentro. Mas é claro que, se o que vemos não corresponde às nossas expectativas, a supressão motivada por essas mesmas expectativas falha e tornamo-nos conscientes do que realmente vemos, em vez do que esperávamos ver”, esclarecem ainda os investigadores.