Desengane-se que possa pensar que por existir um fármaco que ajuda a controlar o nível de colesterol no sangue, poderá comer gorduras saturadas e alimentos ultraprocessados, abusar de bebidas alcoólicas, abdicar das frutas e legumes e fazer vista grossa à prática de exercício físico.
O inclisiran, princípio ativo do Leqvio (nome comercial do medicamento da farmacêutica Novartis), já aprovado pela Agência Europeia de Medicamentos e à venda em Espanha, não se adequa a todas as pessoas com excesso de colesterol. Faz parte de uma nova série de medicamentos tecnológicos que estão a começar a revolucionar a Medicina, mas não é a cura milagrosa para limpar a gordura acumulada em forma de placas no interior das artérias. São essas placas que se podem romper e gerar um coágulo, provocando um acidente vascular cerebral ou um enfarte do miocárdio. Tudo isto acontece de forma silenciosa, sem a pessoa ter consciência do perigo que corre.
O inclisiran é indicado para reduzir os níveis de colesterol LDL (lipoproteínas de baixa densidade), o chamado mau colesterol, em pacientes de alto risco. O que significa isso? Não são todas as pessoas com níveis alterados de colesterol doentes de alto risco? Não, são de alto risco cardiovascular os doentes que tomam a dose máxima possível de comprimidos anticolesterol, praticam exercício físico, seguem uma dieta saudável e mesmo assim não conseguem reduzir o valor para menos de 100 mg/dl.
Segundo informação fornecida pela Novartis, os resultados de ensaios clínicos feitos com milhares de pacientes demonstraram que é seguro e também eficaz, “com uma redução eficaz e sustentada do LDL de até 54% em pacientes com doenças cardiovasculares”.
Após catorze dias surgem os primeiros bons resultados e no segundo ou terceiro mês os níveis de colesterol LDL, aí sim, baixam até 54%, mantendo-se até à toma da segunda injeção. Os 94% dos pacientes que participaram nos estudos continuaram a tomar a dose máxima tolerada de estatinas enquanto recebiam as injeções e tinham hábitos de vida saudáveis.
Por ser um medicamento injetável, com as duas doses administradas a cada seis meses, pode-se pensar que é uma vacina, mas não é – o sistema imunológico do paciente não vai criar anticorpos para combater o colesterol.
O inclisiran usa a tecnologia de RNA mensageiro, a mesma que permitiu desenvolver as vacinas contra o coronavírus. Nesta sua utilização, uma verdadeira inovação terapêutica, vai inibir a produção da proteína PCSK9, responsável pelo aumento dos níveis de LDL no sangue.
É o primeiro medicamento que atua imitando a via natural de regulação da expressão genética no organismo humano, sendo a grande vantagem, face a outros medicamentos direcionados à PCSK9, a toma de apenas duas doses anuais. Outra grande mais-valia do inclisiran é a segurança, com efeitos secundários muito ligeiros.
Em Espanha, o Ministério da Saúde aprovou o financiamento no Sistema Nacional de Saúde, desde que seja mantida a toma dos medicamentos dos tratamentos orais.
As doenças do aparelho circulatório, sobretudo as cardiovasculares, mata milhões de pessoas em todo o mundo e Portugal não é exceção. Por cá, as doenças cardiovasculares matam 80 pessoas por dia, representando um terço das mortes e só o enfarte do miocárdio mata, em média, mais de 12 pessoas por dia, alertou, em maio, Manuel Carrageta, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia. Em 2021, 9 613 pessoas morreram devido a acidentes vasculares cerebrais (menos 16% em relação a 2020); houve 6 683 óbitos por doença isquémica do coração e 3 977 por enfarte agudo do miocárdio, em ambos os casos menos 2,4% do que em 2020.
Um estudo realizado recentemente em Portugal, mostrou que “mais de 90% dos doentes com risco cardiovascular elevado e muito elevado não tinham o seu colesterol LDL devidamente reduzido para os valores recomendados [inferior a 70 mg/dL para quem tem risco elevado e 55 mg/dL para quem tem o risco muito elevado]. Cerca de 20% dos doentes com muito alto risco não estavam sequer a fazer qualquer medicação para o colesterol”, analisou Manuel Carrageta.